segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Carvão: a coisa está a ficar preta!

O fim do reinado do carvão como forma dominante de energia no mundo remonta aos anos que precederam a Primeira Guerra Mundial, quando Winston Churchill, então primeiro lorde do Almirantado, decidiu adoptar o petróleo para substituir o carvão como combustível dos vasos de guerra da Royal Navy. Começava o reinado do petróleo. Em 1914 o governo britânico assumiu-se como principal accionista da Anglo Persian Oil Company. E, no final da guerra, assegurou o controlo do canal de Suez e o domínio da Mesopotâmia.

Perante a anunciada escassez e os elevados preços do petróleo e do gás, o carvão, que ao longo do séc. XX perdeu muita da sua importância a favor do petróleo, surge de novo como uma esperança para resolver os problemas energéticos do futuro. A produção e o consumo cresceram rapidamente nos anos recentes e muitas coisas entretanto mudaram: o smog londrino transferiu-se para Pequim; assiste-se ao esgotamento das reservas e à diminuição da produção no Reino Unido, na Alemanha, na França e na Polónia; o carvão já não é utilizado para aquecer as casas ou para movimentar as locomotivas a vapor, mas ainda assegura 40% da produção mundial de energia eléctrica.

Segundo a EIA (Energy Information Agency) seis países, com 84% das reservas e cerca de 80% da produção, protagonizam a cena mundial do carvão: a China, os EUA, a Índia, a Austrália, a Rússia e a África do Sul.

A China, responsável por um terço da produção mundial com 2,9 mil milhões de toneladas por ano, é o maior produtor e ao mesmo tempo o maior consumidor de carvão. O aumento do consumo nos últimos anos tem sido espectacular (crescimento anual médio de 17% entre 2002 e 2005!) prevendo-se a duplicação do seu consumo até 2025. Por tal forma que a China, antes um grande exportador, já teve de importar carvão em 2008, e necessitará de importar muito mais no futuro, para fazer face às suas crescentes necessidades. O carvão é o primeiro responsável pelo milagre económico chinês. Isto à custa de elevados níveis de poluição, de emissão de CO2 e de outros gases de efeito de estufa para a atmosfera, e da perda de muitas vidas humanas. De acordo com um artigo do Times publicado em 2007, terão morrido, num único ano, 5000 mineiros em acidentes nas minas de carvão chinesas.

Os Estados Unidos, que produzem 50% da sua energia eléctrica em centrais a carvão, têm vindo a rever em baixa as suas reservas exploráveis, e prevêem reduzir as exportações daqui até 2025. A Índia depende do carvão para levar energia eléctrica a importantes zonas do país, e projecta construir novas mega-centrais térmicas. A África do Sul está a aumentar a sua capacidade de produção de combustíveis líquidos a partir do carvão na refinaria de Sasol, e projecta também duas novas centrais térmicas a carvão. A Austrália é o quarto produtor e o maior exportador mundial de carvão, sendo o Japão, a Coreia do Sul, Taiwan e a Europa os seus principais clientes. No entanto as exportações da Austrália correspondem apenas a 5% do consumo chinês. A Colômbia e a Indonésia são dois países exportadores cuja produção têm vindo a crescer, mas serão insuficientes para satisfazer a crescente procura no futuro.

Existe a ideia de que as reservas de carvão poderão durar para muitos anos. A EIA estima que, com o consumo actual, o abastecimento estará assegurado por 160 anos. Porém, contrariamente ao que se passa com o petróleo ou o gás natural, os países produtores de carvão são também os grandes consumidores, de tal forma que apenas 12 a 15% da produção mundial se destina à exportação. E a tendência é para este valor diminuir no futuro, à medida que os grandes produtores forem aumentando o seu consumo.

O conceituado Energy Watch Group, no seu relatório anual de 2007, avança com a previsão de que a produção mundial de carvão irá entrar em declínio a partir de 2025.Um outro estudo de B. Kavalov, do Institute for Energy (IFE), realizado para a Comissão Europeia, aponta 2015 como o ano em que poderão surgir os primeiros problemas relacionados com a disponibilidade de carvão para importação, no mercado internacional.

Para países com uma forte dependência energética externa, como é o caso de Portugal, a avaliação da segurança do abastecimento tem que ser feita atempadamente. A nossa estratégia de diversificação e a aposta nas fontes renováveis é a correcta, mas o carvão ainda é responsável por cerca de 30% da energia eléctrica que se produz em Portugal. Também nós vamos ter de encarar a provável situação de penúria que se anuncia. A confirmar-se, a escassez de carvão associada aos elevados preços desta matéria-prima, terá um forte impacto na factura da energia eléctrica dos portugueses.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Plano inclinado

“Plano Inclinado” é o nome de um programa que a SIC Noticias começou a apresentar recentemente, mais precisamente no passado dia 7 de Novembro. E logo na primeira emissão vimos Henrique Medina Carreira falar da situação económica e financeira do nosso país. Sem papas na língua, com a frontalidade que lhe conhecemos.

Veio ele dizer-nos que os discursos dos políticos são desprovidos de interesse, que não se centram naquilo que seria essencial, ou seja, não fazem o diagnóstico do estado da nossa economia. Economia que ele classifica de anémica, e caracteriza por um elevado deficit das contas públicas e uma divida externa a atingir valores incomportáveis. Que tudo isto sucede porque, após a adesão a Euro, Portugal perdeu a possibilidade da desvalorização da sua moeda. Não podendo, por essa razão, manter a competitividade externa e aumentar as exportações.

Acrescenta Medina: “quase tudo se importa, pouco se exporta”; e diz-nos que, apesar da crise actual, neste ano, a divida externa do nosso país aumenta ao impressionante ritmo de sessenta milhões de euros em cada dia, valor muito superior aos quarenta milhões, que era o valor médio diário de aumento nos anos anteriores. E alerta para a excessiva e preocupante contribuição do Estado para o rendimento das famílias, pois dele dependem, entre pensionistas e funcionários públicos, mais de 4 milhões de portugueses.

Esta é a receita que ela propõe: Portugal para aumentar a competitividade, deve ir ver o que se faz nos outros países, e tentar fazer melhor. Deve reduzir a burocracia, fazer funcionar a justiça, ajustar os impostos. Tudo isto para atrair mais investimento e aumentar a produção e competitividade. E a concluir diz o jurista/economista que os nossos políticos são incompetentes e que os eleitores deveriam escolher outros.

Durante o debate falou-se também, como não poderia deixar de ser, das obras públicas do regime. Comentaram-se as auto-estradas desnecessárias, questionaram-se os pressupostos que estão na base das decisões dos investimentos. João Duque, um economista do painel, veio revelar que tinha colaborado num estudo que concluiu pela viabilidade económica do novo aeroporto de Lisboa, apenas porque não lhe foi permitido mexer nos pressupostos da procura.

No mesmo sábado em que “O Plano Inclinado” foi pela primeira vez para o ar, o Expresso mostrava uma “infografia” sobre a alta velocidade ferroviária. Ali ficámos a saber que a linha do TGV que ligará Lisboa ao aeroporto, seguirá pelo caminho mais longo. Como que a contrariar a ideia que o caminho mais curto entre dois pontos é uma linha recta.
Ora isto acontece porque a solução rodo-ferroviária da nova travessia para o Barreiro a isso obriga. Admito que interesses imobiliários que têm a ver com os terrenos da Quimiparque, no Barreiro, e da antiga Siderurgia, no Seixal, imponham essa solução. Só que o preço a pagar é muito elevado: trazem-se mais automóveis para Lisboa, destrói-se a frente ribeirinha do Barreiro, complicam-se os acessos em Lisboa, secundariza-se a ligação ao novo aeroporto.

E, falando ainda de pressupostos, diz a mesma "infografia" do Expresso que o tráfego esperado para a ligação de Alta Velocidade de Madrid para Lisboa será de 9.4 milhões de passageiros. Ora isso é uma falácia, é mais um pressuposto para justificar o injustificável. Presumo que os tais 9,4 milhões incluem o tráfego de proximidade nos arredores e Lisboa e de Madrid, tráfego que nada terá a ver com o TGV.

O tráfego anual de longa distancia entre Madrid e Lisboa não será, no curto prazo, superior a um milhão de passageiros. É própria Rave que o admite, num estudo publicado em 2005, no qual estima, para 2030, não mais do que 1,6 milhões de passageiros/ano no trajecto de longa distância. Ora, e ainda e acordo com a Rave, considera-se que 36% desse tráfego directo seja desviado para o comboio de alta velocidade, ou seja 360,000 passageiros por ano, cerca de mil por dia. Dará escassamente para encher dois comboios diários de ida e volta, um a partir de Madrid, outro de Lisboa. O que, convenhamos, é muito pouco considerando o investimento a realizar.

Galileu estudou as leis do movimento no plano inclinado. E concluiu que a aceleração é constante e a velocidade do móvel aumenta continuamente com o tempo. É desta maneira que vai a nossa economia, a caminho do abismo. E nós, os portugueses, alegremente e despreocupadamente a vê-la ir. Provavelmente já foi ultrapassado o ponto de “não retorno”. Temos de preparar-nos para o embate!