segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

2010, Notas do Ano que Termina

Os mercados

Neste ano de 2010, que está a terminar, ganhámos uma nova palavra e um novo conceito que veio enriquecer o nosso vocabulário, o qual, diga-se, tem sido bastante ampliado com a crise: estou a falar dos "mercados”. Esta designação corresponde a uma entidade indefinida, sem rosto, sem endereço de correio, nem número de contribuinte, mas que parece ter uma força extraordinária, como já terá sido constatado pelos nossos governantes e pelos banqueiros, que agora falam dela em cada novo discurso. O seu significado, parece-me, não é entendido pelos portugueses da rua, que vêem os efeitos da crise no seu dia a dia, mas acaba por servir de bode expiatório para a justificar. É que assim já se podem atribuir as culpas a alguém, sem ter de alterar o discurso de base, nem pôr em causa a sua coerência.

O sistema económico que vigora no mundo global tem um lógica, e as suas leis são inexoráveis. Eu, que não sou especialista destas coisas e nem sequer sou economista de escola, defini, para meu uso pessoal, umas leis do Liberalismo Económico. E fiz isto, para tentar perceber o que é isso dos “mercados”.

1. Lei do Crescimento Contínuo: Para sobreviver, tens de crescer.

2. Lei da Remuneração do Capital: Uma parte da tua produção tem de servir para remunerar o capital.

3. Lei da Competitividade Global: Para ganhares, tens de ser melhor que os outros.

4. Lei da Selva: Se falhares, ninguém te ajudará.

Estas leis estão inerentes ao próprio sistema, fazem parte intrínseca dele. Uma sofisticada rede de agentes (agências de rating, fundos de investimento, seguros de crédito, ...) vigia os actores do sistema para ver se estão em conformidade com as suas leis. Esta rede são os “mercados”, que se limitam a apontar os fracos ou os fora da lei. E nada mais... Fica apenas por explicar quem manda nos mercados.

Os “Pigs”

Foi a designação que, durante o ano que agora termina, se colou a certos países (Portugal, Irlanda, Grécia, Espanha) para significar os países  do desenrasca. São os países que têm em comum o facto de terem deficits públicos e dividas externas elevadas, e tal como mostrou o Luís de Sousa, são os que têm uma maior dependência energética do Petróleo. Os “Pigs” criaram mais gordura do que músculo, e, por imposição dos mercados, vão ter de fazer dieta forçada... Por muito tempo, imagino eu.

O Pico do Petróleo

Eu acredito que o ano de 2010 ficará na história económica como o ano do “pico do petróleo”. O conceito vai penetrando nos media de massas e a própria AIE (Agência Internacional de Energia)  já o plasmou, pela primeira vez, no seu relatório anual de 2010, o World Energy Outlook 2010. O “pico do petróleo”, mais do que qualquer outra coisa, é a verdade que maior dor vai trazer ao mundo: aos políticos porque lhes torna mais difícil a venda das ilusões, aos economistas porque lhe mata a crença no crescimento contínuo, às empresas porque lhes retira crédito, ao cidadão comum porque lhes rouba os empregos, e lhes ensombra o futuro.

A Transição

A Transição começa a surgir, aos olhos de muitos, como uma alternativa à Globalização, como o caminho para uma nova ordem de valores e de crenças, ou seja, de um novo paradigma para a Humanidade. Estas mudanças de paradigma, com os seus traumas associados, já ocorreram noutros momentos: na transição do feudalismo para a burguesia urbana, no advento da era industrial, com a revolução Francesa, com os movimentos operários no início do século XX. De uma forma ainda pouco organizada, quase espontânea, em Portugal começaram a surgir os primeiros movimentos ou iniciativas de transição. O colóquio sobre transição em Pombal, realizado em Abril passado, foi um ponto alto destes movimentos. Iniciativas de transição estão a aparecer em Pombal, Paredes, Telheiras, Portalegre e Linda a Velha. E outras parecem estar na calha.


A Morte de Matt Simmons

Matt Simmons, que faleceu no verão de 2010, foi um grande comunicador e um grande conhecedor das questões ligadas ao “pico do petróleo”, e que muito influenciou todo o movimento que o estuda e divulga. Foi no seu livro "Crepúsculo no Deserto" que eu aprendi muito sobre a importância do petróleo, e onde eu comecei a perceber melhor o papel dos países do Golfo (e também as suas fragilidades) no futuro energético da Humanidade.


A (não)Retoma

A retoma falhada fica a marcar o ano de 2010. Infelizmente, acredito eu, também não chegará em 2011, nem em 2012... Esta falha persistente da retoma é como um motor de arranque,  de um automóvel,  que não funciona. Pouco a pouco, vamo-nos convencendo, de que não é um problema na bateria do carro, mas sim de falta de combustível.


A China , o seu crescimento e as suas contradições
A China é o maior paradoxo do nosso tempo: tem de crescer para alimentar o ritmo da sua economia e para não libertar as tensões  das contradições internas; por outro lado, não pode crescer por que os recursos para alimentar esse crescimento começam a escassear. Quando a bolha chinesa rebentar, será como uma nova extinção dos dinossauros da economia mundial.


O desastre ambiental do Golfo do México
Foi um sério aviso para o Mundo, e veio mostrar a fragilidade em que assenta a extracção do crude em águas profundas (deep water).

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

A Civilização do Plástico

Na última reunião das terças feiras, organizada pelo dinâmico movimento de Transição de Telheiras, que teve lugar na ART (Associação de Residentes de Telheiras), falou-se de plástico. Foi a seguir à exibição do filme produzido pela BBC, “Message in the Waves”, infelizmente sem legendas, que mostrava a desgraça que significa a quantidade de plástico no Oceano Pacífico e o perigo que isso representa para as espécies marinhas. Tartarugas, lobos marinhos, albatrozes são vítimas do plástico que ingerem, e que descuidadamente é lançado ao mar. Os objectos de plástico, abandonados na natureza, degradam-se muito lentamente, e esta situação, a não ser resolvida, pode levar a um desastre ambiental de graves consequências. É uma questão que não pode ser ignorada por todos aqueles que querem cuidar do nosso futuro comum. E que é o caso dos envolvidos nos movimentos de Transição.

Eu ainda sou do tempo em que as pessoas não usavam plástico na sua vida diária. Havia, no tempo da minha infância, algumas coisas parecidas, como o celulóide que foi precursor do plástico, havia a baquelite, e, possivelmente já havia a borracha sintética, desenvolvida durante a Guerra. Assisti, no pós guerra, ao aparecimento do nylon, e recordo-me de ter visto, pela primeira vez, aí pelos meus 6/7 anos, umas bugigangas em plástico que eram oferecidas dentro dos pacotes de "café de cevada", e lembro-me muito bem de, por essa altura, nos terem oferecido uma "nossa senhora" de plástico que (por efeito de algum composto de rádio que emitia radiações) ficava luminosa na escuridão, o que despertava um grande espanto em toda a gente.

Mas, de um momento para outro, as coisas mudaram a ponto de hoje já ser difícil imaginar a nossa vida sem os vários tipos de plástico, desde o PVC ao polystireno e ao teflon. De facto, toda a nossa vida gira à volta desta nova matéria prima que revolucionou o último meio século, e se colou, de uma forma pegajosa, à actual maneira de viver . Se olharmos à nossa volta, quase  tudo é feito, total ou parcialmente, em plástico: olho, por exemplo, para esta mesa onde agora me sento, e vejo um teclado e um monitor de vídeo em plástico, o rato do computador, a base do candeeiro de mesa, o telemóvel, as esferográficas e as canetas, o tampo da mesa, um carimbo, os tabuleiros onde arrumo os papéis, e até o dinheiro que trago na carteira (cartão de crédito), tudo é de plástico.

Sendo um material altamente conveniente, estão a ele associadas graves inconvenientes. E o preço que temos de pagar, pela inconveniência desta matéria-prima, é, como mostrava o filme que refiro atrás, muito elevado. Pelo facto de não ser biodegradável, o plástico resiste ao tempo e teima em manter-se inalterado, dizem, por centenas ou milhares de anos. Neste aspecto, contraria os ciclos da natureza, nos quais a decomposição dos materiais orgânicos está na base de uma recriação de novos materiais. Ora, a acumulação de plástico na natureza, e em particular nos oceanos, introduz um factor de desequilíbrio que pode trazer, no futuro, graves consequências.

Existem várias formas de contribuir para resolver os problemas ambientais criados pelo plástico, por exemplo, passando a usar menos, desenvolvendo novas formas mais biodegradáveis, taxando e desincentivando o seu uso. Acima de tudo, reduzir a sua utilização ao estritamente essencial, evitando usá-lo em embalagens meramente decorativas, em adornos, em sacos de plástico, etc. E, claro, reutilizar e reciclar, são outras medidas aconselhadas para ajudar a resolver o problema.

Da mesma forma que quando se constrói uma central nuclear, para conhecer o seu custo global se contabilizam os custos da sua construção, da sua manutenção, mas também o do seu desmantelamento - não sendo este ultimo o menos importante -  também, quando se fabrica um saco de plástico que custa uns meros cêntimos, se deveriam somar ao seu custo todos os prejuízos que ele causará até sua completa destruição e reintegração na natureza. Na verdade um simples saco de plástico tem associado um custo muitíssimo superior aos cêntimos que nos cobram por ele. E, se não formos capazes de calcular o verdadeiro preço (ou se não quisermos calculá-lo!), e de o fazer reflectir no custo "efectivo" do produto, estamos a contribuir para a degradação do nosso futuro, e até da nossa civilização.

Na verdade os produtos descartáveis de plástico (estou a pensar em fraldas descartáveis, sacos de plástico, copos de plástico que sé se usam uma vez, e também as embalagens supérfluas), só são baratas porque o custo do plástico não incorpora no seu preço o custo dos seus malefícios. A modificação deste estado de coisas passa por medidas legais, fiscais e de educação, que têm de ser urgentes, para não agravar mais aquilo que já uma grave emergência ambiental.

O plástico é um derivado do petróleo. Com o advento do Pico do Petróleo vamos ter de passar a usar, forçosamente, menos. Mas os estragos têm de começar a ser reparados com urgência. O capitalismo é, na sua essência, predador da natureza e do ambiente, mas o homem não pode iludir-se com algumas facilidades que ele proporciona.Porque pode dar-se conta dos seus efeitos secundários quando já for demasiado tarde!

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Pico de Petróleo: Não se pode negar a evidência

Conta-se que Galileu Galilei, no final da sua vida, consciente (e talvez arrependido !) de ter renegado a verdade ao ter admitido, perante as ameaças dos Inquisidores, que a Terra estava imóvel no espaço, terá desabafado em surdina, e proferido a célebre frase: “Eppur si muove”. E contudo, move-se.

Naquele tempo e naquela sociedade, a “verdade oficial” era decretada, espalhada e defendida pela Igreja Católica. Por isso, a verdade de Galileu que a contradizia, foi alvo do descrédito e dos ataques da Inquisição, razão pela qual ele se viu obrigado a confessar que a Terra não se movia à volta do Sol, e que era o Sol que girava à volta da Terra. A verdade que Galileu ensinava era a "verdade inconveniente" que contrariava as falácias da Igreja Católica, e que, por isso mesmo, não podia ser tolerada.

Entretanto, os tempos mudaram. Para nosso bem e para nosso mal, o poder temporal e espiritual que a Igreja Católica detinha, transferiu-se para uma entidade, de contornos mal definidos, que os meios de comunicação designam de "os mercados”; os antigos dogmas da fé já não são importantes, e não têm, hoje, a Inquisição a defendê-los. Na nova ordem (a dos mercados, ou do Neoliberalismo), os tês pilares da "Santíssima Trindade" são 1) a livre concorrência, 2) a livre circulação dos capitais, 3) e o crédito ilimitado. O conclave dos cardeais deu lugar à reunião do G20, e Roma já não é o centro do mundo. E o Deus, todo poderoso, dos nossos dias chama-se Globalização.

Também a verdade dos que defendem e demonstram o "pico do petróleo" é a verdade inconveniente, que não interessa ao novo Sistema porque ofende os seus dogmas, nomeadamente o do Crédito Ilimitado (ou, se preferirem, o crescimento contínuo). Por isso, o pico de petróleo é um assunto que anda arredado dos meios de comunicação de grande difusão. E, sendo esta a questão central que moldará o futuro da nossa civilização, muita gente pergunta por que razão tal acontece. A resposta é que são precisamente esses meios que velam pelos novos dogmas; eles são a nova inquisição do nosso sistema económico.

Mas poderiam os meios de comunicação abordar o problema, de outra forma? Eu acho que não pois, caso o fizessem, iriam reduzir as expectativas e o consumo, criando assim uma brusca depressão na economia mundial. E a sobrevivência desses meios, que vivem do consumo e da publicidade, estaria em causa. Daí que todas as tentativas de abordar a questão dos limites do crescimento tenham sido sistematicamente desacreditadas.

Sobre o petróleo, alimento principal da economia capitalista, a verdade oficial é, mais ou menos, esta:

Existe petróleo em abundância na natureza. As reservas, por exlorar, têm aumentado, e a tecnologia tem vindo a incrementar as taxas de recuperação do petróleo dos poços, e vai continuar a ser assim no futuro.
Existem grandes jazidas por explorar nas bacias "offshore" e nas zonas polares. Além disso, existem reservas imensas de petróleo impregnando as areias e xistos betuminosos no Canadá e na Venezuela. No Iraque existem elevadas reservas por explorar, que só esperam pela pacificação do país para serem trazidas à superfície.
Além disso temos largos recursos de petróleo não convencional como, por exemplo, a produção a partir do gás natural, sem esquecer o biodiesel e as promissora tecnologia que vai permitir a produção de etanol a partir da celulose, em curso nos Estados Unidos. Imaginem-se todos os grandes recursos vegetais,  sem valor alimentar, a serem transformados em gasolina!
E, no futuro, a capacidade do homem para encontrar alternativas ao petróleo, vai explorar novos caminhos energéticos. As energias renováveis são praticamente ilimitadas, o Sol é uma fonte inesgotável de energia. E ainda estamos a dar os primeiros passos na utilização do hidrogénio, o elemento mais abundante do Universo, como fonte energética. Mas a energia do futuro  poderá derivar da fusão nuclear.
Grandes especialistas como, por exemplo Daniel Yergin, que escreveu "O Prémio" e dirige a CERA, confiam nas fontes oficiais (como a AIE) e garantem que a produção de crude se irá manterá sem problemas por algumas dezenas de anos, após o que passará a um período de "plateau ondulante".
E temos ainda os defensores das teorias que dizem que o petróleo não é de origem fóssil e está continuamente a formar-se na crosta terrestre. E, por fim, o argumento arrasador que lembra o grito de "Lá vem lobo!": " O fim do petróleo já foi anunciado tantas vezes, sem nada ter acontecido, que também não será desta vez que vai acabar".

Este é o discurso oficial, o discurso do "businesss as usual", impregnado de falácias: a falácia tecnológica, a falácia do hidrogénio, a falácia do "dejá vu". Mas um grupo de pessoas, irmanadas pela amizade à verdade, engenheiros reformados, e jovens cientistas entusiastas, como Colin Campbel, Jean Laherrere, Kenneth S. Deffeyes, Rembrandt, Luís de Sousa e tantos outros, clamam contra a indiferença dos "mass media", e dizem-nos:

"Eppur, Ecco il Picco!",
ou seja : E contudo, o pico está à vista! A história vai dar-lhes razão

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

As angústias do cidadão comum

Anda o mundo todo em alvoroço: é a crise que não se vai, a China que não revaloriza a moeda, a América que não se conforma em perder a liderança do mundo, a Nato que não sabe como sair do Afeganistão, a Irlanda que caiu nas mãos do FMI (sem perceber bem como nem porquê!), a Europa desunida e sem estratégia, é Portugal à deriva, os bancos sem dinheiro, as empresas sem crédito, os trabalhadores sem emprego, os de Wall Street ainda a especular e a receber os bónus, e as pessoas comuns da Main Street a começar a perder a esperança.

Os comentadores políticos e económicos, os que escrevem nos jornais e falam na rádio e na TV, e fazem a opinião dominante, vão apontando erros aqui e acolá, acusando este ou aquele de não ter tomado as medidas certas no momento certo, analisam, estudam e prevêem; mas a verdade é que não estão a acertar com a solução do problema, e não apontam os caminhos certeiros para a saída da crise. A receita mais ouvida nesses comentários é a de que temos de retomar o crescimento à custa do aumento da produtividade, do aumento das exportações, da produção de bens transaccionáveis, etc.. Mas isto é o mesmo que dizer a um doente: “O senhor para resolver o problema da sua grave doença, tem mesmo é de se curar e voltar a ter saúde!”. Ora não é mais do que isto, que é uma verdade do Senhor de La Palisse, aquilo que nos diz o economista comum ou o comentador político. E o próprio discurso dos governantes não anda longe destas trivialidades, e não lhes acrescenta muito. E, uns porque não sabem, outros porque não querem, e outros porque não podem, ninguém se adianta para falar a verdade.

Entretanto, o cidadão comum, habituado a ouvir falar de crises mas sem as sentir na pele, já se começou a aperceber que, desta vez, algo vai “mesmo” mal, e que, talvez, não lhe estejam a dizer toda a verdade. E já vai fazendo contas à vida. Vê o seu emprego em risco, ameaçadas as pensões e os subsídios que julgava garantidos para a vida, vê os filhos, já homens, ainda a derriçar do orçamento dos pais. Vai perdendo a confiança nos bancos, e aquilo que parecia muito seguro já não lhe parece tanto, e até já lhe ocorreu a ideia de enterrar o dinheiro numa panela de ferro a um canto do quintal. Começa a desconfiar de tudo e de todos. E já olha com outros olhos para uns bocaditos de terra que ainda tem lá nas berças, quem sabe se ainda não vão servir para alguma coisa!

E se ainda sente força e por que não atingiu ou atingiu há pouco tempo a barreira dos “enta”, até lhe passa pela cabeça a ideia de emigrar. Mas os caminhos do mundo estão a fechar-se e quando pensa em Angola ou no Brasil, só vê insegurança, desigualdades e corrupção. E o Eldorado de outras épocas, para onde se ia à procura da fortuna, só se for noutro planeta!

Quando a crise desce à rua, é quando ela adquire pela primeira vez, verdadeiramente, o estatuto de “Crise”. Estamos no início duma grande descida que vai estar marcada pelo empobrecimento colectivo, pela escassez de recursos, pela necessidade de ter de apertar o cinto. A história mostra-nos que nestes períodos de “vacas magras” existem dois caminhos para fazer a descida, e qualquer deles se assemelha a uma “via dolorosa”: um que é a via da inflação (como diz Rubin) outro que é a via da deflação (como diz Nicole Foss), ou seja, ou faltam as mercadorias, no primeiro caso, ou falta o dinheiro para as comprar, no segundo. São os governantes, sobretudo os fixam o preço do dinheiro e podem imprimir notas, que têm capacidade de fazer escolhas, e mostrar-nos o caminho. Pois se eles não escolherem nenhuma delas, será tudo pior, e essa via sacra da descida ao Inferno será feita aos trambolhões e ao atropelo das regras mais elementares da civilidade.


Entretanto os anjos da Transição, conscientes do pico do petróleo - esta afinal a causa de todos os males - e das alterações climáticas, vão tecendo pacientemente a teia que é a nossa derradeira esperança de prosperar num mundo com menos abundância de benesses e com mais carência de recursos. E ensinam que é necessário produzir e economizar mais e apostar na Localização.  Que  é o mesmo que dizer, olhar com mais atenção para o nosso país, para nossa cidade, para o nosso bairro, para o nosso vizinho.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

O Futuro da China


O mundo que emergiu do pós guerra, e que era dominado pelos EUA e pela União Soviética, está a dar lugar a outro mundo no qual já se vê a China afirmar-se como a nova potência mundial capaz de fazer frente aos EUA, e, quem sabe, pronta a disputar-lhe a liderança mundial. Algo que parecia bastante improvável, há apenas meia dúzia de anos.

De uma forma discreta, a China tem vindo a impor-se como a grande economia emergente do século XXI. Já é a segunda a nível mundial, tendo recentemente destronado o Japão dessa posição. E as taxas anuais de crescimento do seu PIB são de tal modo elevadas que, a continuarem a este ritmo, o PIB chinês ultrapassará o PIB norte americano antes de 2030. Mas, na minha opinião, isso não irá (não poderá!) acontecer, pois tal significaria um forte agravamento dos desequilíbrios comerciais já existentes, e provocaria uma corrida descontrolada às fontes de matérias primas. Recordo, a propósito, que China vai enfrentar, a breve prazo, o problema da escassez energética, à medida que a população se for  urbanizando, que o uso do automóvel se for generalizando, e o consumo de electricidade for aumentando. A emergência do pico do petróleo, e a previsivel escassez de carvão vão ser fortes travões ao crescimento da China.

Na sua política de expansão, a China tem usado a via diplomática de "penetração" em zonas estratégicas como a África e a América Latina. E, para ilustrar essa forma de actuação, refiro este exemplo: o FMI andou, durante anos, a negociar um empréstimo a Angola; para a sua concretização, colocava condições aos governantes que visavam impedir a corrupção, aliviar a pobreza e reduzir as desigualdades. Mas chegaram os chineses e concederam esse empréstimo em poucas semanas, e sem condições. Mas, claro, pediram em troca petróleo e contratos para construir infra-estruturas. Com este empréstimo, a China tornou o FMI redundante e desnecessário em Angola. E exemplos como este podem ser encontrados um pouco por toda a parte, no Sudão, no Congo, no Irão.

Existem muitas incertezas no que ao futuro da China diz respeito. Este gigante que tem muitos pontos fortes e, ao memo tempo, muitas fraquezas. A força da China reside na sua forma de governo centralizada, no seu grande crescimento económico, e na maneira de ser e viver da sua população, onde se destaca a capacidade de trabalho, uma grande paciência e um elevado espírito de sacrifício.

Uma gestão centralizada e forte tem permitido manter a unidade de um país que é composto por muitas nações. E tem permitido conduzir a politica económica sem grandes sobressaltos, sem a sujeição aos ciclos eleitorais, próprios das democracias ocidentais. E, acima de tudo, tem demonstrado a capacidade de implementar as medidas necessárias para fazer face a emergências, como se viu na recente crise.

O grande crescimento económico chinês, a taxas anuais de cerca de 10%, ajuda a resolver muitos problemas, e impede a ocorrência de outros. Pois havendo riqueza para distribuir tudo se simplifica, existe paz social, estão contidos os conflitos regionais, étnicos e religiosos. Mas o contrário também é verdade: a estagnação ou a recessão económica traz ao de cima os problemas, revela o lado pior das coisas e das pessoas, favorece a desordem social. Por tudo isto, o crescimento da China precisa de ser mantido a todo o custo.

E daí que o grande dilema da China resida nesta situação paradoxal: não pode crescer mas também não pode deixar de o fazer: crescer significa escassez de recursos, problemas ambientais, sobreaquecimento da economia, riscos de uma bolha imobiliária, acréscimo dos problemas comerciais; reduzir o crescimento, pode provocar descontentamento, problemas políticos, contestação social, forte aumento do desemprego, conflitos étnicos regionais, etc..

A China é, nos nossos dias, um importante foco de tensão mundial. Tensão que vai acumular-se e que poderá, ao libertar-se, provocar um sismo. E, porque o mundo é global, as consequências do que acontecer na China, terão impacto em todo o Mundo. No dia em que a China entrar em convulsão, muita coisa irá mudar e, acredito eu, para pior. Perceber esta realidade e mitigar as suas consequências é também um dos objectivos da Transição.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Pico do Petróleo: cada vez mais difícil esconder a verdade

O World Energy Outlook 2010, o relatório anual editado pela Agência Internacional de Energia, foi apresentado à imprensa no passado dia 9 de Novembro, em Londres. Este relatório é sempre ansiosamente esperado por servir de base ao planeamento económico dos países da OCDE. E ele constitui uma referência para muitos especialistas e estudiosos destas matérias.

Embora de forma condicionada e não alarmista, a Agência tem vindo, ano após ano, a fazer uma grande "ginástica" estatística para conciliar o pico do petróleo, cada vez mais difícil de iludir, com a necessidade de apresentar valores compatíveis com a necessidade de crescimento económico que, de acordo com os seus objectivos estatutários, a AIE se sente obrigada a estimular.

Para quem não sabe, a AIE , que tem a sua sede em Paris, foi criada pelos países da OCDE em 1974, na sequência do embargo petrolífero dos países árabes ao Ocidente, com o objectivo de criar stocks de crude para fazer face a situações de emergência. Mas nos seus objectivos, a IEA, além da segurança energética, inclui a protecção ambiental e estímulo ao crescimento económico. Isto em consonância com os objectivos da própria OCDE, criada exactamente para promover o desenvolvimento, baseado no crescimento contínuo das  economias dos países que representa.  A Agência emprega 190 pessoas, a maior parte delas especialistas em estatística e energia, e tem um orçamento anual de mais de 20 milhões de Euros. Que é suportado principalmente pelos EUA e pelo Japão, com um contributo conjunto de quase 50% do total.

A IEA é, pois, um organismo dependente dos seus financiadores, e as suas posições não podem ser desligadas deste facto. Talvez por isso,  as previsões que faz da evolução da produção de crude são, em cada novo ano, revistas em baixa, mas obedecem a um principio sagrado: são sempre crescentes. Mas reconhece-se que, nos seus relatórios, a Agência tem vindo a mostrar realismo, e alertar para a proximidade do "pico do petróleo", evitando sempre usar a expressão, a qual apenas é referida, pela primeira vez, na edição deste ano do WEO.

Apoio-me nas palavras do professor Kjell Aleklett, da Universidade de Upssala e membro da ASPO, para traduzir o essencial deste relatório: "No Weo 2010, a IEA prossegue na sua linha tradicional de prever o futuro das necessidades energéticas do mundo, sem ter em consideração se a sua produção é ou não possível. Relativamente ao petróleo, no ano passado, a IEA previa, para 2030, uma procura de 106 milhões de barris por dia ou seja um crescimento de 20 milhões de barris diários em relação à produção actual. Mas este ano , a IEA baixou as previsões, para 2035, para apenas 99 milhões de barris diários".

Mas ainda há bem poucos anos a IEA previa, para procura e produção 116 milhões de barris diários  em 2020. Nas previsões deste anos, e pela primeira vez, a IEA diz que a produção de petróleo convencional se manterá estagnada daqui até 2035.


Repare-se, neste gráfico, o rápido esgotamento das jazidas actuais que tem de ser compensado com a produção (irrealista!) das jazidas a descobrir ou a desenvolver.

Desde 1980, o mundo extrai petróleo muito mais depressa do que descobre novas jazidas. Extraem-se quatro barris por cada um que se descobre. Ora, o WEO 2010 apoia a sua previsões de crescimento sobretudo nas novas descobertas, e diz que até 2035, para se cumprir essa previsão, o mundo precisa de descobrir mais 900 mil milhões de barris para adicionar às reservas actuais. Ora, à taxa de descoberta actual que foi, nos últimos anos de 10 mil milhões barris/ano, seriam precisos 90 anos, e não 25, para alcançar esse objectivo!

Isto acontece porque as jazidas actualmente em produção, que produziram  68 mbd (milhões de barris/dia) em 2009, têm uma taxa de esgotamento de 8,3% ao ano e isso precisa de ser compensado com novas explorações e novas desobertas. Fazendo as contas, essas jazidas, que produziram 68 mbd  em 2009, só produzirão 16 mbd em 2035. Daí a tal urgente necessidade de descobrir e explorar mais petróleo. Só não sabe onde, nem como, digo eu.

Toda a esperança de aumento de produção é colocada nos países da Opec e muito em particular nos países do Golfo Pérsico. E, estima a AIE, a Opec deverá produzir, em 2035, 46 mbd  dos quais 31 mbd no Golfo.  Mas, como que a propósito, há dias, um antigo director da Saudi Aramco, Sadad Ibrahim Al-Husseini, citado aqui, vem colocar muitas interrogações sobre a capacidade futura da região para responder ao que dela se espera. Diz ele: "Na região do Golfo, as reservas de petróleo convencional estão a esgotar-se a uma taxa que é dupla da taxa de reposição, e isto porque as grandes jazidas estão a ser substituídas por jazidas mais pequenas, que requerem tecnologias muito avançadas e avultados investimentos para produzir caudais, em volume suficiente e com custos comportáveis.

Ele acrescenta ainda que a produção dos países da OPEC será inferior à estimada: "A região do Golfo não produzirá os 31 mbd previstos mas sim 26 mbd, em 2035. E prevê para a produção global de crude um "plateau" de 87 milhões de barris por dia até 2019 e, a partir daí, um decréscimo, para atingir os 83 milhões por dia em 2030".

Já não é mais possível esconder a verdade do pico do petróleo. Chegou a altura de começar a mitigar as suas consequências. Volto às palavras de Kjell Aleklett para concluír: "WEO 2010 is a cry for help to tell the truth about peak oil".

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Pensar Global, Agir Local

Eu vivi um ano intenso da minha adolescência no Porto. Foi no meu primeiro ano da Universidade, na Faculdade de Ciências, e fiquei, por esse motivo, ligado afectivamente a esta cidade: gosto do Porto, gosto da gente do Norte e da sua pronúncia, dos cafés e das confeitarias cornucopianas. Gosto das suas lojas, e da simpatia do atendimento do seu pessoal. E até gosto da arquitectura pesada e granítica de alguns dos seus edifícios. Por isso, volto ao Porto sempre com agrado, como aconteceu, na semana passada, quando fui participar na conferência Glocal 2010. E aproveitei para vadiar, descontraidamente, pelas suas velhas ruas.

Eu lembro-me das ruas da baixa portuense, de outros tempos, com os seus armazéns fartos e o seu comércio florescente. Desta vez, encontrei ruas tristonhas e deprimidas, muitas lojas fechadas com cartazes de "vende-se" e "trespassa-se", muitos prédios abandonados e decadentes. Algumas lojas tradicionais ainda resistem, como é o caso dum alfarrabista da Rua das Flores, com edições de velhos jornais de há cem anos na montra, a assinalar a implantação da República. Mas pressente-se que, a manter-se o modelo actual de desenvolvimento inspirado na globalização, não existe futuro para este comércio. Porque tal modelo, privilegia o Centro Comercial, em detrimento do velho comércio de proximidade.

A era do automóvel veio modificar o modo como se vivia nas cidades: despovoou o centro tradicional, empurrou o comércio para a periferia, e as pessoas para os subúrbios. Conviver com esta perniciosa realidade, numa sociedade com menos energia e menos mobilidade, vai ser um dos dramas das sociedades da era pós-carbono, e mitigar os seus efeitos será uma das tarefas da Transição.

Mas eu, hoje, quero falar da conferência Glocal 2010, que aconteceu nas instalações da Lipor, em Ermesinde, e contar um pouco do que lá vi. Sobretudo realçar as experiências que, a nível autárquico, ou por simples iniciativas de cidadãos, ali foram apresentadas. São exemplos que começam a proliferar, motivados pela preocupação de modificar o nosso insustentável modo de viver. Talvez por isso, a frase que mais se ouviu na conferência foi "desenvolvimento sustentável".

A experiência de Barcelona, apresentada por Francisco Cárdenas, mostrou-nos a utilização de soluções tecnológicas para promover um urbanismo mais humano, no qual o espaço público é devolvido aos cidadãos. Advogou o palestrante uma cidade com menos automóveis, e com corredores verdes para permitir a passagem das aves migratórias. Ocorre-me que esta aposta de Barcelona, a ser concretizada, será conseguida à custa de um acréscimo de complexidade na sua gestão, e isso vai ter um preço muito elevado. Resta saber (lembro-me das teorias de Tainter) se as vantagens que estas soluções aportam compensam os custos (energéticos, mas não só!) acrescidos de as pôr em prática.

A experiência que está a ser levada a cabo pelo Munícipio Cascais, apresentada, de forma estusiástica, por Joana Silva, ilustra bem quanto algumas autarquias já estão sensíveis a estes problemas. Foi apresentado o projecto "in loco 21" que está a ser implementado com sucesso. Falou-se de palestras, destinadas aos colaboradores da autarquia, inspiradoras de reflexão sobre a sustentabilidade.

Começam a surgir por toda a parte pessoas desinteressadas, cidadãos comuns atentos aos sinais das mudanças, que se interessam pelo tema. Eu próprio apresentei o projecto Rio Vivo, em S. Pedro do Rio Seco, apoiado pela Fundação Vox Populi. E inspiradas pelo modelo de Totnes, já existem em Portugal as primeiras iniciativas de transição, como é o caso de Paredes que muito me impressionou pelos entusiasmo com que foi apresentado. Tivemos ainda o privilégio de ouvir Jacqi Hodgson falar-nos de Totnes, cidade inglesa percursora destes movimentos.

Com a persistência da crise e com a incapacidade demonstrada por economistas, políticos e governantes para a debelar, pouco a pouco, as pessoas começam a dar-se conta de que o mundo está a mudar de uma forma irreversível, e que esta não é uma crise como as outras. Começam a perceber e a acreditar que esta á a “crise mesmo”, e começam a olhar de forma diferente para o futuro. E muitos, sem esperar que algo de pior aconteça, começam a querer moldá-lo com as suas próprias mãos. Está a ser assim em Paredes, em Pombal, e poderá ser assim no bairro de Telheiras, em Lisboa, onde jovens entusiastas se dispõem a percorrer o caminho difícil mas promissor da Transição.

Pensar global, agir local?. Houve quem propusesse a inversão dos termos desta asserção, e sugerisse: “Pensar local, agir global”. Vivemos num mundo global acelerando vertiginosamente para a sua última fronteira, e o colapso (se ocorrer, ou quando ocorrer!) será global. Mas a reconstrução só pode ser local. É esta certeza que move os adeptos da Transição!

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

O relatório do Extra Terrestre

Este relatório chegou-me, por acaso, às mãos por uma fuga de informação. Estava classificado de “altamente secreto”, e vinha assinado E.T.

"...
Cumprindo as ordens do Conselho Superior da Secção KXW34 da Galáxia, dirigi-me ao terceiro planeta do sistema estelar NX”34 com o fim de vos informar sobre ele, nomeadamente sobre a espécie que ali domina. Utilizei a técnica da materialização metamorfósica para me transmutar num elemento da referida espécie, e durante um longo período vivi desapercebido entre eles. Pude, assim, observar o seu modo de vida, aprender a sua forma de comunicar, e aceder aos seus registos. Tudo com vista a preparar o relatório que agora, já regressado ao nosso Mundo, vos apresento.

Tal como nós prevíamos, o planeta objecto desta análise, pela conjugação da abundância de água, de uma atmosfera adequada, e de uma temperatura amena, reúne perfeitas condições para a existência de vida reprodutiva no sistema carbono-oxigénio. Existe uma grande abundância e diversidade de espécies animais e vegetais, e, considerando a complexidade orgânica de algumas dessas espécies, concluo que as condições favoráveis ao aparecimento das primeiras formas de vida já terão ali ocorrido há muito tempo.

De entre as espécies de seres vivos, existe uma que ganhou um vincado ascendente sobre todas as outras. Chama-se ali espécie humana. Trata-se de um primata, que caminha erecto apoiado sobre os dois membros inferiores. E que tem uma grande destreza dos membros superiores que são dotados, nas extremidades, de cinco ramificações. Esta espécie proliferou de tal forma que as marcas da sua presença são visíveis por toda a parte. E, de entre todas as espécies deste planeta, esta é a única que manifesta comportamento revelador de inteligência.

A sua longa evolução permitiu-lhe articular sons diferenciados, associados a imagens, objectos, ideias e até emoções, facto que lhes que lhes permite comunicar entre eles; criaram também um código gráfico, que lhes permite grafar os sons e registar factos e ocorrências. Isto permitiu-me consultar esses registos, e ficar a conhecer como se processou a evolução desta espécie. Fiquei a saber, por exemplo, que desde há muito os humanos aprenderam a dominar o fogo e a construir ferramentas de todo o tipo.

A sua organização é de uma grande complexidade: dominam perfeitamente a metalurgia, fabricam ferramentas muito diversificadas e sofisticadas. Algumas são capazes de realizar operações inteligentes, outras são para se transportarem, outras para usarem como armas. E fazem isto de uma forma muito organizada, em grandes unidades de fabrico, pelo método da especialização e divisão do trabalho. Conhecem e aplicam técnicas de prolongamento da vida, e são capazes de fazer transplantes de órgãos entre individuos diferentes.

Estão organizados em inúmeros territórios nos quais os seus ocupantes defendem os seus interesses próprios, e, muitas vezes, fazem guerras para defender esses territórios ou para atacar os dos outros. Vivem em grandes aglomerados, uma espécie de colmeias, e têm funções muito diferenciadas. Utilizam as outras espécies em proveito próprio, por vezes criando-as artificialmente e alimentando-se delas. Socialmente, existe um sistema muito vincado de hierarquias, nem sempre baseado no mérito.

A energia que alimenta a vida neste planeta é fornecida pela estrela do seu sistema planetário a que eles chamam Sol. Os humanos aprenderam a utilizar essa energia a seu favor, e até já conseguem capturar a energia dos átomos. No tempo recente, eles têm recorrido a uma forma de energia desde há muito acumulada no planeta, sob a forma de compostos de carbono. Isso permitiu um desenvolvimento e proliferação espectacular da espécie, de tal forma que os registos mostram que, nas últimas seis gerações, o seu número se multiplicou por 8.

Os elementos desta espécie podem comunicar entre si, de forma interactiva e à distância, através de ferramentas muito avançadas, e utilizando códigos. Podem deslocar-se rapidamente de uns lados para outros e de diversas formas, inclusive através do fluído atmosférico. E já visitaram o pequeno satélite que orbita à volta do planeta.

Por tudo o que vi, considero que o estádio de evolução desta espécie está entre os mais avançados da Galáxia. Espantou-me o avanço tecnológico, em alguns aspectos equiparado ao nosso. Poderão estar perto do "grande salto" em frente, da Grande Unificação, tal como aconteceu no nosso Mundo, na Era da Transição. No entanto, encontrei indícios de que existem grandes fragilidades no comportamento desta espécie que podem levar ao seu colapso organizativo, tal como já aconteceu em outros sistemas planetários mas que eles, naturalmente, desconhecem. Refiro algumas dessas fragilidades:

  • O seu principal recurso energético está a esgotar-se muito rapidamente, mas eles utilizam-no como se fosse inesgotável.
  • A extrema complexidade organizativa que criaram necessita de uma quantidade cada vez maior de energia para se manter. E eles não têm controlo sobre essa complexidade.
  • Estão a interagir com o equilíbrio do planeta, interferindo com as outras espécies, modificando ou destruindo eco-sistemas, e estão a alterar a composição da atmosfera. Isto pode tornar as condições muito adversas para o futuro dos humanos.
  • Não têm consciência do problema do crescimento populacional da sua própria espécie, e aceitam, despreocupadamente, esse facto. As classes do topo da hierarquia cultural e social já conseguem separar o acasalamento da reprodução, e, em parte por isso, estão a reproduzir-se menos, e progressivamente a envelhecer e a perder importância relativa.
..."
O relatório não acaba aqui. O alienígena ainda tece mais algumas considerações sobre cenários de evolução, e termina apresentando um “prognóstico reservado”. Mas o que deixei aqui escrito contém o essencial, e eu, vendo-me assim depositário desta informação (quem sabe se a fuga não terá sido preparada!), sinto-me obrigado a divulgá-la, para que cada um julgue por si próprio. E para que a utilize e a divulgue da forma que melhor entender.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Petróleo: onde estamos?

Enquanto se aguarda, lá para Novembro, a publicação do World Energy Outlook 2010, o relatório anual da AIE - Agência Internacional de Energia - que analisa a situação mundial da energia, o tempo é propício às reflexões sobre o tema, e que já começam a surgir nos sites especializados.

No oildrum que é o mais importante espaço da Net onde se debatem estes temas, e como que a antecipar a discussão para os números do WEO 2010, começaram já a aparecer as primeiras análises desta temporada. Em particular sobre a situação do mercado mundial do petróleo, o combustível fóssil cujas variações de preço mais condicionam a economia mundial. Trata-se de avaliar a evolução da produção, o estado das reservas, a capacidade de produção excedentária, e as perspectivas de curto e médio prazo. E, claro, a previsível evolução dos preços da maéria prima, que é o factor mais crítico para a tão desejada retoma da economia.

Em Agosto passado, de autoria de Rune Likvern foi aí publicado um interessante trabalho sobre a situação internacional de mercado, o qual foi actualizado já em Setembro. A conclusão mais importante é de que, no final de 2011, poderá estar esgotada a capacidade de reserva de produção (spare capacity) dos países da OPEC, e que, por essa razão, o mundo poderá vir a enfrentar um novo choque petrolífero. Ou, se preferirem, poderá agravar-se o choque de 2008, do qual ainda não saímos. São péssimas notícias para aqueles que buscam, a todo o custo, afastar o fantasma da recessão económica.

A produção mundial de petróleo (que incluiu todas as formas em que ele chega às refinarias, crude, condensado, derivados líquidos do gás natural, biofuel…) estacionou, desde 2005, no plafond dos 85 milhões de barris diários. E isto depois de décadas de crescimento contínuo, apenas interrompido pela crise dos anos 80, que nos levaram a criar a ilusão de que as cornucopianas previsões dos organismos internacionais eram sensatas e realizáveis.

No ano de 2008 atingiu-se o preço record de 140 dólares por barril, na bolsa de Nova York. E, estranhamente, o aumento de oferta que isso induziu foi muito pequeno e localizado na Arábia Saudita, no Kwait e nos Emiratos Árabes Unidos. Terá sido isto um sinal de que, naquele momento, se terá atingido, ou se terá ficado muito próximo da capacidade máxima de produção? A resposta, tudo indica, só pode ser afirmativa.

É certo que, por força da crise, nos países da OCDE, o consumo de crude baixou, nos últimos 2 anos. Mas ao mesmo tempo, o consumo nos países fora da OCDE teve uma forte subida. E aqui destaca-se o aumento de consumo na China que vai prosseguir inexoravelmente, impulsionado pelo forte crescimento da sua economia. E até os próprios países da OPEC, animados pelo forte aumento de receitas, crescem, e passam, eles próprios, a consumir mais petróleo.

Para sair da situação de crise, o mundo precisa urgentemente de mais energia barata e facilmente disponível. No contexto actual, caracterizado pela ausência de alternativas energéticas para os transportes, o petróleo desempenha um papel crucial, e todas as análises convergem na conclusão de estamos no "pico de produção" ou muito próximo dele. E por muita boa vontade que se queira ter, começamos a desesperar por não se ver a luz ao fundo do túnel.

Acho oportuno citar Gail Tverberg, editora do oildrum: “Estamos a aproximar-nos de um tempo em que ou se tem petróleo ou se tem alimentos para trocar por petróleo. Pior estarão aqueles países que vivem do turismo ou dos serviços financeiros que não vão ter nada para a troca”.

O nosso país, infelizmente, não tem petróleo e não produz alimentos. Mas – a acreditar nos nossos governantes - temos o estado social que (julgam eles) nos vai salvar a todos.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Transição e o Estado Social

Com o agravar da crise, a economia estagna, o desemprego sobe, e as contas do Estado ameaçam derrapar. E com o índice de envelhecimento da população a aumentar, surge a necessária e inevitável pergunta: será possível, no futuro, manter o "estado social" nos moldes em que ele funciona actualmente?

Quando falo em “estado social”, refiro-me ao papel do Estado como garante das pensões de reforma, dos subsídios de todo o tipo (desemprego, maternidade, inserção social, doença…), do serviço nacional de saúde, da educação gratuita e universal. Garantias estas que representam uma espécie de seguro a favor dos mais velhos, dos doentes e dos mais carenciados, e cujo prémio é pago nos impostos suportados por todos os cidadãos. Mas que, em última análise, dependem do bom desempenho da economia e da contribuição da população activa.

Em Portugal, tal como nos outros países europeus, vigora o sistema "pay as you go". Em cada momento, as prestações sociais são pagas pela população activa, ou pela fiscalidade incidente sobre a economia. Significa isto que os nossos descontos para a Segurança Social não vão servir para pagar as nossas pensões no futuro. Eles servem para pagar as pensões dos reformados actuais, ao passo que as nossas irão ser pagas pelas novas gerações. Se houver dinheiro, claro.

Os custos sociais têm tendência a aumentar sempre, e isto acontece como resultado do envelhecimento da população, dos valores, sempre crescentes, das pensões dos novos beneficiários, do aumento do desemprego, da antecipação das reformas. Quando a economia cresce, o aumento da receita fiscal pode ser suficiente para compensar essa subida. Caso contrário, isto é, se não houver crescimento da economia, a tendência será para se criar um deficit social.

Em Portugal, o deficit social será suportado pelo orçamento do Estado, e pode implicar, por sua vez, um agravamento do deficit orçamental. E quando isso acontecer, tal só poderá ser compensado pela ajuda do exterior ou pelo aumento do endividamento público. Enfim, trata-se de uma cadeia perigosa que poderá conduzir a um empobrecimento contínuo, e, no limite, à insolvência do próprio Estado.

O estado social é uma grande conquista da Europa do pós guerra. Mas é a consequência de uma economia de excedentes, ela própria consequência de um crescimento continuo decorrente da globalização e da abundância energética. Mas isso não irá continuar, razão pela qual, na Europa, já começam a confrontar-se duas ideias inconciliáveis: o estado social, tal como está, ou a economia viável.

Na transição, as pessoas vão ter de trabalhar mais e durante mais tempo, as pensões vão reduzir-se, tal como os subsídios. Vai ser o tempo exigente de pôr à prova o bom senso dos homens que nos governam, e a sua capacidade de fazer evoluir o actual sistema para um novo tipo da solidariedade.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Marcas e produtos

O Marketing é um florescente sector da economia das sociedades mais desenvolvidas, que integra  actividades tão diversificadas  como os estudos de mercado, a publicidade, a distribuição, o merchandising, as vendas  e as relações públicas. Actividades que empregam muita gente, e onde se pagam  salários bem acima da média. Todos os anos se investem muitos milhões de euros em desenvolvimento, em estudos de mercado em promoções e em publicidade para criar produtos e marcas, e para atrair e fidelizar os consumidores desses produtos e dessas marcas.

Mas o Marketing será uma dos sectores que, com o acentuar da crise económica, quando a racionalização do uso dos recursos derivada da sua escassez impuserem restrições aos consumos, poderá sofrer um grande impacto negativo. E não estará longe o dia no qual, como diz David Strahan, "o consumidor volte a ceder o lugar ao cidadão, com os direitos e os deveres que lhe são inerentes".

Muitos dos  produtos que se fabricam, que se vendem e se consomem, são produtos supérfluos, aquilo que poderíamos designar de “produtos avatares” por serem uma espécie de criações virtuais desfasadas da realidade. Muitos desses produtos satisfazem necessidades - pensem no relógio de ouro que se usa mais pelo prestigio que confere  ao seu utilizador do que para assinalar as horas - que nada têm a ver com a sua função primária. Na verdade, trata-se, em muitos casos, de “marcas sem produto”, por oposição às “commodities”, que são produtos sem marca.

Para melhor esclarecer este conceito de “produto avatar”, dou um exemplo: a Coca Cola é uma bebida gasosa refrescante, que tem as propriedades e as funções de outras bebidas similares como a limonada, a “gasosa” ou o velho “pirolito”. Só que na realidade as coisas não são bem assim. A marca “Coca Cola” acrescenta à bebida outros ingredientes para além da água, do xarope, do açúcar e do anidrido carbónico; acrescenta-lhe uma dose de “festa”, um pouco de “alegre disposição”, uma pitada de “ambiente jovem”, completados com um “jingle musicado” e umas gotas de cheiro a “american way of life”. Tudo isto, bem misturado e nas doses certas, constitui uma mistura explosiva e irresistível, sobretudo para os mais jovens.

Ora, se retirarmos à Coca Cola a água, o açúcar, o xarope e o anidrido carbónico, o que fica dentro da embalagem é uma “Coca Cola avatar”. É isso mesmo, o leitor já percebeu que aquilo que fica na garrafa é uma marca sem produto. E, na verdade, o consumidor paga mais por isso do que pelo líquido que bebe.

É esse “consumidor” que os técnicos de marketing, de publicidade e de estudos de mercado analisam à lupa, armados das ferramentas adequadas para o efeito, tais como estudos aprofundados, focus grupos, técnicas projectivas, técnicas de observação etnográficas, semióticas, etc... E até mesmo técnicas de neuromarketing, porque, constatou-se, o “consumidor avatar”, na escolha dos seus consumos, utiliza complexos processos mentais.

Paradoxalmente, dizem-nos que para estimular a economia é preciso consumir mais, quando o mais elementar bom senso aconselharia precisamente o contrário, que é preciso consumir menos e produzir mais. No futuro, a via da  transição vai seguramente alterar a relação das pessoas com os produtos e com as marcas. O desperdício, as embalagens sem utilidade, o "valor" abstracto da marca, as necessidades artificialmente criadas, serão postos em causa num contexto económico e social de um tipo diferente.

O incentivo ao consumo como finalidade última da economia é a miragem de salvação de um sistema que não tem futuro...

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Portugal e o Futuro ou o Futuro de Portugal

“Portugal e o futuro” é o título de um livro que o General António de Spínola escreveu e publicou pouco tempo antes do 25 de Abril, o qual, acreditam alguns, muito terá contribuído para motivar os capitães de Abril a avançar para Revolução dos Cravos. Eu li o livro, já não tenho muito presentes as teses que defendia, mas acredito que, nos dias de hoje, o "futuro" de que falava Spínola já é "passado" e que temos de reequacionar o problema, e falar de “outro” futuro. Do nosso futuro, mas, sobretudo, do futuro dos nossos filhos e dos nossos netos.

“Portugal são os portugueses do passado, os portugueses de hoje e os portugueses que hão-de vir” , disse há tempos, na TV, Ernâni Lopes. Ora os nossos governantes, os políticos, as elites falam muito dos portugueses de hoje, e a história fala-nos abundantemente dos do antigamente, mas poucos são os que se preocupam com os que hão-de vir. E, na minha modesta opinião, deveriam preocupar-se mais, porque as nuvens adensam-se no horizonte, e o melhor é ir pensando em preparar o barco para a procela que, com toda a certeza, nos vai surgir pela frente.

Olhando para o Portugal de hoje vemos um país europeu que a globalização uniformizou, no que respeita aos padrões de vida e de consumo, pelo modelo do “ocidente”, e que em tudo se assemelha à forma como se vive em qualquer um dos países, ditos desenvolvidos. Claro que o futuro de Portugal, país da união europeia, vai estar ligado ao futuro da Europa; na verdade ele estará ligado ao futuro do Mundo, um mundo que por ser global está condenado a ter um destino comum.

Portugal consome muito mais do que aquilo que produz, e isolado ou entregue a si próprio, Portugal é, nos dias de hoje, um país inviável. Criaram-se dependências, hábitos de consumo, vícios de ricos, que lhe retiram qualquer possibilidade de vida autónoma. O estado social adormeceu-nos, aboliu o velho conceito da “luta pela vida”, relaxou o empenho em superar e alcançar, debilitou o engenho, criou o desalento. Tanto a nossa dependência alimentar como a nossa dependência energética (as  fontes primárias da riqueza real) são ambas da ordem dos 75%. Nestas condições, este país só pode sobreviver com a ajuda externa, e um país que vive de esmolas não pode aspirar a ser independente, nem a ter voz nos aerópagos das nações.

Abandonou-se a agricultura, abateram-se os barcos de pesca, desincentivou-se a indústria. O turismo e a construção civil, as apostas das décadas douradas que se seguiram à integração europeia, e que foram a causa do nosso modesto crescimento, já estão ou vão entrar numa crise profunda, cujo fim não está a vista. São sectores fortemente geradores de emprego, e o seu estado depressivo vai agravar ainda mais a penosa situação económica e social em que vivemos.

O problema demográfico é outro dos nossos graves problemas. A perigosa inversão da pirâmide etária provocada por uma elevada taxa de envelhecimento da população, e consequente diminuição da população activa, irá agravar o problema da dependência externa. A reduzida taxa de natalidade das populações naturais, aliada a uma maior taxa de natalidade dos imigrantes, sobretudo dos africanos, irá gradualmente alterar a base genética da população residente. Dentro de 3 ou quatro gerações Portugal, na sua composição étnica, será muito semelhante ao Brasil de hoje. E, a manterem-se a actuais taxas de fertilidade, antes do final do século, a população com ascendência africana poderá superar a população com ascendência europeia.

Ora um país que não se basta a si próprio e que não cuide do seu futuro, perde a sua identidade, os cidadãos perdem o orgulho da pertença colectiva, deixa de ter valor o sentido de pátria. Os símbolos da nacionalidade – o hino, a bandeira - perdem gradualmente o seu significado, e o velho ideal do “sacrifício pela pátria”, adquire, nos nossos dias, um sentido quase de anedota.

Mas este é ainda o meu país, apetece-me citar o grande Poeta: "esta é a ditosa pátria minha amada”. Os portugueses que hão-de vir merecem  que lhe deixemos uma pátria como herança. Urge, pois, cuidar o futuro, e defender e preservar os valores eternos de Portugal.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

O fim de um certo mundo rural

Nos passados dias 7 e 8 deste cálido mês de Agosto, teve lugar em S. Pedro do Rio Seco o primeiro Congresso da Associação Rio Vivo. E, para os que não conhecem esta aldeia e esta Associação, convém dar alguns esclarecimentos.

S Pedro, à semelhança de muitas outras, é uma pequena aldeia do concelho de Almeida, situada na região de Ribacôa, que é um território que se situa entre o Rio Côa e a fronteira espanhola. Linha da fronteira que, desde o Douro até S. Pedro, é definida pelo rio Águeda e pela ribeira de Tourões, e a partir de S. Pedro, para sul, numa larga extensão que inclui os concelhos de Sabugal e Penamacor, pela chamada raia seca.

Esta região de Ribacôa é uma planalto, continuação natural da Meseta Ibérica que lhe fica a leste. É limitada do lado ocidental pelos penhascos do vale do Côa e a sul pela serra de Malcata, no maciço da cordilheira central ibérica. A norte, destaca-se a silhueta da Marofa, já nos contrafortes do vale do Douro.

São fracos os recursos destas terras: o solo é pobre, a água não é abundante, e o clima, muito frio no inverno e muito quente no verão, é extremamente agreste. Como nota dominante da paisagem, abundam os afloramentos graníticos (os barrocos como aqui lhe chamam), as giestas, as moitas de carvalhos e as carrasqueiras. E, sempre presente, o pinheiro bravo.

Nos primórdios da nacionalidade, esta região fronteiriça, disputada entre Castela e Portugal, era uma zona de castelos defensivos: Castelo Bom, Almeida, Castelo Rodrigo, Vilar Maior e Alfaiates; terá sido mais intensamente povoada a partir de 1296, ano em que foi definitivamente integrada no território português, após o tratado de Alcanizes.

Tradicionalmente, as gentes desta região dedicavam-se sobretudo à agricultura e à pastorícia: colhia-se batata, trigo, centeio e algum vinho. Produzia-se queijo de ovelha, cada família criava o seu porco e as suas galinhas, e a aldeia era auto-suficiente em frutos e hortícolas. Havia uma dinâmica actividade complementar de serviços: o merceeiro, o taberneiro, o sapateiro, o alfaiate, o pedreiro, o ferreiro, o carpinteiro, o barbeiro...

A casa agrícola típica de S. Pedro desenvolvia-se à volta do curral com a residência e o seu cabanal, as cortes, os cortelhos, os palheiros, a adega e a “tenade” onde se guardava a lenha. O lavrador desenvolvia a sua actividade apoiado na junta de vacas, de machos ou de burros, conforme a dimensão da sua lavoura. O carro de bois, que era diferente do minhoto, estacionava no curral. Os terrenos da exploração agrícola (as sortes, as tapadas, os hortos, as vinhas, os lameiros) eram de pequena dimensão, e estavam dispersos pela folha, muitas vezes afastados uns dos outros .

Não havia conforto nas habitações: entrava-se no meio-da-casa e de um lado estava a cozinha (em certos casos de telha vã e sem chupão de fumo) com o basal e a cantareira, e com uma pequena dispensa onde estava a tulha e a salgadeira; do outro lado do meio-da- casa, uma pequena sala com dois quartos (as alcovas) onde apenas cabia a cama. Não havia casa de banho, apenas um lavatório na sala com o seu jarro e um espelho na parede. Nalguns casos, sobre a sala e as alcovas, havia o sobrado onde se guardavam as colheitas para o uso da casa.

Desde há meio século tudo isto mudou, e um modo de vida que se aperfeiçoou durante seis séculos desapareceu completamente. A casa agrícola deu lugar a uma casa moderna com o conforto das casas das cidades, muitas vezes servindo apenas como segunda habitação. O automóvel tomou conta das ruas, os animais de trabalho desapareceram, o asfalto substituiu a terra batida, apareceu a electricidade e o saneamento, A autarquia, entretanto, construiu um moderno pavilhão multiusos, rasgou estradas, embelezou largos com jardins.

Como resultado da fuga para as cidades, a população permanente que era de cerca de 700 pessoas reduziu-se a pouco mais de 150 habitantes, a maior parte com mais de 65 anos. A escola fechou por falta de alunos. Resta um pequena actividade agrícola, quase um passatempo dos reformados, centrada nas hortas de proximidade. Cuidar dos velhos no Centro Social é, agora, a principal actividade dos poucos que trabalham na aldeia. A folha está praticamente abandonada, sendo a excepção a existência pequenas manchas dispersas de exploração florestal (de cupressus ou azinheiras), e algumas explorações pecuárias (de vacas e ovelhas), tudo a viver com apoios comunitários.

No mês de Agosto a aldeia ganha a vitalidade de uma estância turística. Emigrantes enchem a terra, cria-se uma ilusão de vida. E alguns vêm nisto um sinal de progresso, e acreditam que se está a prosseguir o caminho certo.

Mas esta aldeia está ferida de morte e não tem futuro: os residentes desaparecem, e outros não vêem para os substituir; os filhos dos emigrantes não virão ocupar as casas que os pais construíram. Os dinheiros do estado social vão escassear, os fundos comunitários também. É este o paradoxo do nosso tempo: as cidades não são a solução para o futuro, e as pequenas comunidades rurais perderam a sua sustentabilidade.

Nascida da vontade de uns quantos, a Associação Rio Vivo foi criada para perceber como foi possível chegar a este ponto e para intervir, da forma possível, para inverter esta tendência depressiva. No fundo, para ajudar a cuidar dos velhos e estudar a forma de reanimar a aldeia. Para impedir que ela morra...

Chegaremos a tempo de a salvar?

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

O Tempo e a Memória

Nesta nossa era digital, a facilidade que temos em registar e difundir documentos e imagens está a permitir à Humanidade criar um arquivo fabuloso. Nunca, em tempo algum da História, a capacidade de criar memória para as futuras gerações foi tão ampla como é na actualidade.

A cada dia que passa, esta capacidade amplia-se e cresce em espiral. Cada registo criado pode replicar-se facilmente, de tal modo que poderá destruir-se nuns locais e preservar-se em muitos outros. O espaço de arquivo necessário, tão reduzido que é, também não se afigura limitativo ao seu crescimento. E o suporte digital onde se gravam os registos não se degrada facilmente, ao contrário do que se passava com os registos analógicos antigos (escrita, fotografia, filmes, monumentos...).

Projectando para o futuro o que se passa hoje, somos levados a pensar que, nos próximos tempos, esta memória poderá multiplicar-se quase até ao infinito. Dentro de 5 ou 10 gerações, cada ser humano poderá aceder aos registos digitais de texto, imagens e sons sobre factos e acontecimentos das gerações precedentes. E poderá construir, por exemplo, uma árvore genealógica com milhares dos seus antepassados.

Porém, como irá a Humanidade conviver com esta memória colectiva, de tamanha abrangência, já hoje tão ampla e ainda maior no futuro? Não será esta memória um pesado lastro a carregar, que acabará por enredar a própria mente humana, impedindo-a de evoluir e de criar? Até porque esta memória, por ser objectiva e indestrutível, não terá a benevolência da memória humana, a qual se esbate com o tempo, e esvai-se mesmo quando “não convém" recordar. Ao invés, esta será viva, actuante e implacável.

Numa perspectiva religiosa e evolucional, bem pode ser que este seja apenas um degrau a caminho do ponto ómega, desse "Fenómeno Humano" de que falava o padre Teilhard de Chardin. O que contará não será tanto o Homem enquanto Indivíduo, mas a Humanidade, essa entidade nova não apenas com Memória mas também com Alma e com Inteligência.

Vejo nisto sobretudo um sinal de uma complexidade crescente. E acredito que, num determinado momento, os custos de manter essa memória virão a ser maiores do que as vantagens que nos traz. Imagino que, por essa razão, não poderá ser mantida. E que chegará o momento do “colapso” digital, com consequências imprevisíveis.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

A terceira via

O debate político, promovido pelo Partido Socialista, está a focalizar-se na discussão à volta de duas vias alternativas para enfrentar a crise: "neoliberalismo" versus “defesa do modelo social”. Defendem os dirigentes do PS a via da "manutenção e desenvolvimento do modelo social", e apontam os pecados do neoliberalismo, que condenam e rejeitam. E aproveitam para “colar” a etiqueta de “neoliberalista” ao principal partido adversário: o PSD.

A matéria tem sido aflorada de forma recorrente nas iniciativas partidárias do PS a que temos assistido neste Verão, e o discurso, repetido com poucas variações, obedece a uma linha predefinida e coerente. Até Mário Soares, no seu artigo semanal de opinião no DN de 13 Julho, não hesitou em reduzir a questão da saída da crise àquela dicotomia, e escreveu a propósito: “A necessidade prioritária (é a ) de manter e desenvolver o modelo social europeu… e só depois - mas em segundo lugar - reduzir os deficits externos e o endividamento, público e privado, como sugere o Banco Central Europeu, influenciado pelo economicismo neoliberal”.

Ao eleger esta dualidade de opções para eixo central da sua estratégia, e ao trazê-la para o terreiro do debate, os referidos políticos parecem querer convencer-nos que estas são as únicas alternativas, as duas únicas opções que temos pela frente, e que vamos ter de optar por uma delas. Mas, na minha opinião, estão enganados. Estas vias não são alternativas, são as duas faces de uma mesma moeda. Trata-se de uma forma de iludir a verdadeira questão, que consiste em aprofundar a compreensão da crise e identificar as suas causas.

O chamado “modelo social europeu” é, numa leitura economicista, o resultado da política neoliberal - dos últimos 65 anos, correspondentes ao período do pós-guerra -, cujo sucesso assentou no abandono do proteccionismo, na globalização e na livre concorrência, e que permitiu, em resultado de um crescimento contínuo do PIB europeu, criar os excedentes que alimentaram e ainda alimentam o tal modelo social. A própria Europa, a que nós pertencemos, construiu-se sobre este modelo, e a sua força assenta sobre o seu sucesso.

Vir agora, com fazem os dirigentes do PS, defender o modelo social europeu e, ao mesmo tempo, negar os fundamentos económicos que o sustentam, é a mesma coisa de que querer preservar o telhado de uma casa, e deitar abaixo as paredes que o suportam. Ora é mais do que certo que quando as paredes ruírem, o telhado virá atrás delas. Mais defensável, mesmo que pouco recomendável, seria manter as paredes de pé, e deitar o telhado abaixo.

Mas poderemos atribuir o sucesso económico das últimas décadas apenas ao "modelo" de organização do sistema produtivo, quer ele se chame de capitalismo, liberalismo, ou simplesmente “economia de mercado” ?
Poderemos, por exemplo, ignorar o input tecnológico, o input energético, e o problema dos recursos (incluindo os humanos!), que são externalidades do modelo? A resposta é não. E a via a seguir consistirá em adequar o modelo aos recursos disponíveis, e para isso temos de procurar a solução fora dele. A esta, chamo eu a terceira via.

A situação actual da economia lembra um potente automóvel que de repente deixou de andar. E o condutor faz tentativas desesperadas para o pôr a trabalhar. Discute-se à volta, e um diz que será necessário olear as engrenagens, enquanto outro reclama que o mais importante é manter o ar condicionado a funcionar. Até que alguém descobre que o problema é a simples falta de gasolina, e que não há nenhuma gasolineira ali por perto.
Neste caso, a terceira via é ir a pé.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Como "não" será o mundo daqui a cem anos

Há umas semanas atrás, eu escrevi aqui sobre a forma como os nossos avós e bisavós imaginavam o mundo de hoje. E ficou claro que havia naquele imaginário uma crença profunda num mundo melhor, mais organizado, mais fácil, menos poluído, mais livre de doenças e de pragas. Os homens e mulheres do futuro seriam, na opinião dos nossos avoengos, mais felizes, e o mundo iria transformar-se numa espécie de paraíso terrestre.

As previsões de há cem anos inspiravam-se na crença de que a evolução tecnológica e o progresso do conhecimento não teriam limites, e que ao desvendar os segredos das Ciências e ao dissecar as células microscópicas, o Homem iria explicar as origens da Vida, e penetrar nas profundezas da Alma. E adquirir a sapiência e o poder, que antes só eram atributos dos deuses.

Mas o mundo dos últimos 100 anos não teve aquela "suave" evolução que se esperava. Foi antes uma espiral de acontecimentos contraditórios, em que os sucessos eram, muitas vezes, submergidos pelos insucessos. Descobrimos a penicilina, é verdade, mas tivemos o holocausto, eliminámos a varíola, mas viu-se massacrar gente, em África e noutras partes do mundo. Produzimos e consumimos mais e andamos mais depressa, mas estamos, por causa disso, a esgotar os recursos e a destruír o ambiente. Libertámos a energia do átomo , e com ela já matámos pessoas; descobrimos o ADN, e já "manipulámos" genes de animais e plantas.

E quando parecia que estávamos a atingir o paraíso, vimos o planeta reagir furioso parecendo contrariar o nosso desejo. Surgiram, quando menos se esperava, os tornados, os furacões, as enchentes, e enfrentámos o aquecimento global. E o planeta até já se nega a que lhe retirem das suas entranhas o “sangue” negro que alimentou a nossa expansão, o “excremento do diabo” como alguns já lhe chamaram.

Por isso eu não me atrevo a fazer previsões para os próximos 100 anos. Já me contentaria que alguém mas mostrasse para os próximos 10 anos. Porque, acredito, muita coisa se irá decidir neste curto prazo. Mas só pensar naquilo que "não" poderá acontecer no século que temos pela frente, já se torna preocupante. E isso eu posso prever:

  • A população “não” poderá voltar a multiplicar por quatro, como aconteceu nos últimos 100 anos.
  • O aumento progressivo da concentração de CO2 na atmosfera “não” pode continuar.
  • "Não" se podem continuar a destruir espécies como temos feito até agora.
  • O consumo de energia fóssil, barata e abundante, “não” continuará a crescer.
  • "Não" se poderá continuar a desperdiçar recursos escassos, a começar pela água.
  • Os economistas “não” vão ser capazes de resolver os problemas económicos do mundo.

Não queiras prever o futuro das coisas
Elas são imprevisíveis!
A fronteira entre a ordem e o caos
É o bater das asas de uma borboleta...
A amena fogueira dá lugar ao incêndio devastador
A brisa suave dá lugar ao tornado assustador
A chuva serena dá lugar à enchente destruidora
E ao doce crepúsculo, segue o dia claro ou a noite de trevas...

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Economia e ambiente

Estive, há dias, no Museu da Electricidade, onde assisti à conferência, promovida pelo “Sol”, sobre “Economia, Ambiente e Sustentabilidade”. O que me levou lá foi o meu interesse em ouvir o professor Ernâni Lopes. E valeu a pena, pois assisti a uma lição magistral. E não foi com a sua dissertação sobre economia que o professor mais me impressionou. Acima de tudo foi a atitude de uma pessoa sábia e humilde que questionou o “direito” do homem destruir o ambiente, pois que o “poder” adquiriu-o ele já há bastante tempo: primeiro, com o “clarão” de Hiroshima, em 1945, e, depois, com a descoberta do ADN, em 1960. No primeiro momento tornou-se evidente o poder da destruição cega e massiva, e no segundo a capacidade de manipular geneticamente o genoma dos seres vivos.

Falou o professor do capitalismo, que diz ter “nascido” em 1776, no ano da publicação da "Riqueza das Nações" de Adam Smith, e que foi também o ano da independência da América. Capitalismo cujo desenvolvimento foi alimentado pela primeira revolução industrial, e que foi causa e efeito de inúmeras conquistas tecnológicas (daí poder chamar-se-lhe uma revolução!). Mas, acrescenta ele, conseguidas à custa da contínua e progressiva destruição do ambiente. Assistimos agora a um ponto de viragem, pois já nos demos conta que o ambiente não pode mais ser mais destruído, antes pelo contrário, precisamos de o reconstruir, e de recuperar os estragos. E essa reconstrução, para o conferencista, abre uma nova e grande oportunidade ao capitalismo. Porque ele acha que o capitalismo sempre foi capaz de dar “a volta por cima” às dificuldades, e até foi capaz de transformar derrotas em vitórias, e falhanços em novas oportunidades.

Eu tendo a discordar desta conclusão, e disse-lho no curto debate que seguiu. Como poderá o capitalismo passar de destruidor a protector? Poderá o lobo, devorador de cordeiros, transformar-se, como que por encanto, no seu criador e protector? A destruição do ambiente pelo capitalismo, é, na minha opinião, a afirmação do seu “instinto” predador, a forma de garantir a sua sobrevivência. Afinal consumir é, na nossa economia capitalista e liberal, sinónimo de destruir.

Ernâni Lopes acredita que a tecnologia (para ele o grande trunfo do capital) pode mudar o mundo, e pode até resolver o problema energético. Chegou mesmo a afirmar que a “economia” encontrará, quando for necessário, um substituto para o petróleo. E, quando se falou de “colapso”, ele acusou o toque, e confessou que conhecia os casos enunciados por Jared Diamond no seu famoso livro, com aquele nome, e recentemente traduzido para português. Mas que discordava do autor sobre as razões dos vários exemplos de “colapso” apresentados no livro (incluindo o famoso exemplo da Ilha da Páscoa), e que, achava ele, a verdadeira causa tinha sido a incapacidade dos intervenientes para encontrar soluções tecnológicas para os resolver. Aqui o que me separa do conferencista são os princípios da termodinâmica: a tecnologia não cria energia, aliás, a energia não se cria (1º principio). Só se transforma, e mesmo a transformação nunca é gratuita (2º principio).

Mas este pormenores não retiram nada ao essencial da conferência nem reduzem o seu interesse. Ernâni Lopes explanou conceitos que nos fazem pensar, tais como a diferença entre política, doutrina e ideologia; disse-nos que na escala do nosso relacionamento com o mundo (o weltanshaung), a sabedoria, sobrepõe-se ao conhecimento, o qual por sua vez se sobrepõe à informação, e aos dados. Nas sua dissertação revelou-se um sábio, descomprometido e humano, e demonstrou possuir uma grande inteligência. E assumiu, com humildade, uma atitude quase religiosa perante o mundo e perante a vida.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Obama e a Energia

O discurso que Obama proferiu, na Sala Oval, no passado dia 15 de Junho, a propósito do desastre ambiental da BP no Golfo do México, faz lembrar os discursos de Carter em 1977. Discursos aqueles proferidos entre os dois primeiros choques petrolíferos, época em que as questões de energia estavam, tal como hoje, na ordem do dia. Carter estava plenamente consciente da frágil situação energética americana, alertou para ela, quis resolvê-la. Mas não teve sucesso, e acabou por nem sequer ser eleito para um segundo mandato.

Reagan, que veio a seguir, beneficiou, a partir de 1980, duma conjuntura bastante favorável, que veio aliviar a difícil situação energética do mundo. Foi o caso da redução do consumo de petróleo, do início da entrada em funcionamento de inúmeras centrais nucleares, do contributo de novas bacias petrolíferas, no Mar do Norte, no Alasca, no Golfo do México. E não se pode esquecer que foi a partir de 1980 que o gás natural veio ocupar o lugar do petróleo nas centrais termoeléctricas. Tudo isto contribuiu para fazer baixar fortemente o preço do crude nos 25 anos seguintes, e criar a ilusão de que tudo tinha voltado ao “normal”.

Obama está agora confrontado com uma situação semelhante à da época de Carter, e vem repetir o mesmo tipo de discurso. Mas agora num contexto que se apresenta com perspectivas bastante menos promissoras. Já não existem as alternativas surgidas em 1977, o nuclear já não se mostra esperançoso, a produção de crude estagnou, e não existem novas áreas a explorar para compensar as quebras de produção. A "solução" que agora se apresenta é a revolução "verde" apoiada no desenvolvimento das energias renováveis. Com perspectivas, custos e eficácia ainda mal conhecidos.

No seu discurso, Obama, lembra a actual situação energética da América, e o paradoxo que ela representa. Diz ele: ”O petróleo é um recurso finito; consumimos, no nosso país, mais de 20% do petróleo extraído a nível mundial e temos menos de 2% das reservas”. E põe, de forma desassombrada, o dedo na ferida : “Durante décadas percebemos que os dias do petróleo fácil e barato estavam contados, e falámos da urgente necessidade de escapar à nossa dependência dos combustíveis fósseis. Mas falhámos nesse propósito, e não fomos capazes de actuar com a urgência que se impunha. E não foi apenas pela acção dos "lobbies" petrolíferos, mas foi também pela nossa falta de coragem política e pela falta de franqueza em enfrentar o problema”.

Obama acrescenta que “chegou a hora de fazer a transição para uma era de energia limpa. Sabemos que isso tem custos, mas que temos de enfrentá-los agora”. Mas parece desorientado sobre as acções a tomar, parece não saber o que fazer e espera por soluções: ”Existem muitas ideias, e espero vê-las pôr em prática para resolver o problema. O que não podemos é ficar parados”. Faz um apelo à fé na América: “Se nós fomos capazes de produzir tanques e aviões na Segunda Grande Guerra, e colocámos um homem na Lua, teremos de ser capazes de enfrentar e resolver também o presente desafio”. E conclui invocando a Deus: “Esta não é, certamente, a última crise que América terá de enfrentar. Rezo por dias melhores”.

Desde que Dick Cheney, quando confrontado com a necessidade de alterar os hábitos de consumo americano, exprimiu a opinião de que o “american way of life” é inegociável, que a maioria dos americanos entraram numa espiral de cegueira colectiva da qual só sairão perante algum choque imprevisível, e certamente muito doloroso.
Os ventos não correm de feição para a manutenção do “american way of life” E, tal como Carter, Obama corre o risco de não ser eleito para o segundo mandato.

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Religião e transição

O facto de um velho amigo, ateísta convicto, confesso e militante, me ter convidado para assistir a uma palestra sobre o tema "ateísmo", suscitou-me esta reflexão. Que faço, apesar do assunto, em si, não me preocupar muito. Pois se o teísmo é acreditar em Deus e o ateísmo é negar a sua existência, considero que discutir o teísmo ou o ateísmo representa a mesma inutilidade filosófica, e a mesma perda de tempo.

A civilização ocidental – que moldou o mundo global – tem as suas raízes mais profundas na cultura judaica e na cultura grega. Herdámos da Bíblia o deus sem rosto, moralista, intemporal e justiceiro (de que Saramago parece não gostar!), e herdámos dos gregos os deuses e as deusas moldados à imagem dos homens, com os seus corpos de atletas, e com os seus desejos, as suas fúrias, os seus amores e as suas emoções por vezes descontroladas. Mas tanto num caso como no outro, os deuses são criaturas dos homens, e não o contrário.

Quando penso no "sobrenatural", a minha grande angústia, decorre da (não) percepção do Universo, e da (não) compreensão das forças que o governam. E que tem a ver com a minha incapacidade de entender o absurdo do “espaço” e do “tempo”, conceitos limitados para terem significado e serem percebidos, mas ilimitados por não terem fronteiras, e, por isso, coisas que "são" e "não são", ao mesmo tempo. A mim, pessoalmente, preocupa-me mais o mistério da força da gravidade do que saber se Deus existe.

A “criação” é o grande e único enigma. E é tanto maior, quanto mais a “visão” do telescópio Hubble penetra nas profundezas do Universo, e nos obriga a acrescentar zeros (do lado direito) ao número de estrelas e de galáxias. O “big bang”, por que não tem explicação, é o verdadeiro Deus. E até já ouço dizer que se suspeita existirem outros universos paralelos ao nosso, possivelmente uns feitos de matéria e outros de antimatéria. De tal forma que tudo somado dará zero, e, se for assim, não são precisas mais explicações sobre a intervenção divina no acto da criação.

Mas na via dolorosa por onde se vai carrear a nossa “civilização” ao calvário, abre-se o espaço para novos profetas virem proclamar vindas de messias e estabelecer novas formas de culto. Já se advinha o "regresso" de Deus para substituir a incapacidade dos políticos governarem o Mundo, e para compensar os homens do progressivo agravamento dos "deficits" de solidariedade, de afecto e de liberdade. É que estes "deficits" não são regulados por "PEC´s" ou pela criação de fundos de protecção. Muitas vezes são resolvidos com recurso à "ajuda" divina.

No espaço melífluo das catedrais (leia-se Centros Comerciais) do mundo actual, dominado pelo consumismo , as marcas ocuparam, nos altares, o lugar dos deuses. E quando se extinguir a sua natureza divina há-de vir quem, alevantando as novas tábuas, compare estes falsos ídolos aos bezerros de ouro, e os esconjure para glorificar outras divindades, criadas para ocupar o vazio deixado pelas antigas.

Na via estreita da transição - admitamos que ela vai ser transitável - haverá porventura lugar para a intolerância, para o fundamentalismo, e, possivelmente, para novas e elaboradas formas de exploração e oportunismo. Quem sabe se até para novos modelos de inquisição.

“Deus” queira que não.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

O Mundo de hoje, imaginado há 100 anos


Há tempos, chamou-me a atenção um artigo escrito em 1900, e que continha um conjunto de previsões, ou antevisões, para o ano 2000. Foi publicado no “The Ladies Home Journal”, uma revista americana, e ainda hoje a sua leitura faz as delícias de quem o lê. Uma outra publicação de 1910, neste caso uma sequência de "quadros", mostrando uma antevisão do ano 2000, pertencentes a uma colecção da Biblioteca Nacional de França, ajuda-nos a conhecer a percepção que os nossos avós tinham do futuro.

Confrontando a realidade dos nossos dias com as previsões ali apresentadas, chega a ser chocante a “ingenuidade” dos autores, tanto do artigo como dos "quadros". Mas vale a pena revisitar e reflectir sobre estas conjecturas, pois elas ajudam-nos a entender a mentalidade de quem as produziu, e a compreender melhor o mundo que nos rodeia, e até a própria dinâmica da evolução das ideias ao longo dos tempos. Podemos até sentirmo-nos estimulados a fazer o exercício de tentar antever o mundo daqui a 100 anos.

É certo que, há um século atrás, a data "2000" era uma data mítica, a qual era vista, em simultâneo, como fim de século e como fim de milénio. Isso, julgo eu, ajudava a inflamar as mentes. Por outro lado, o tempo futuro parece mais extenso do que o tempo passado. A nossa mente habitua-se a olhar para uma data futura como representando uma “distancia” enorme, a qual, depois, nos parece muito mais curta do que havíamos imaginado. Quando apareceu o “1984” de Orwell ou o filme “2001, Odisseia no Espaço” de Kubrick, parecia que o tempo que faltava, haveria de permitir realizar todos os sonhos. E, afinal, essas datas, vistas pelo "retrovisor" do tempo, estavam “logo ali”.

Nestas previsões de há 100 anos, sobressai uma crença ilimitada na tecnologia. A electricidade é ali apresentada como uma coisa milagrosa. Fala-se ingenuamente de navios movidos a electricidade cruzando o oceano, como se a electricidade pudesse ser transportada a bordo de um navio. E, constatamos hoje, a incapacidade de, nesse tempo, se perceber aquilo que foram os verdadeiros grandes saltos tecnológico: a televisão, a informática, a internet, e até o avião.

O carvão era a forma energética que tinha revolucionado o mundo, e tinha conduzido ao progresso, mas já se apresentava como uma coisa do passado, algo sujo e desinteressante. E que, acreditava-se, a energia eléctrica iria tornar obsoleto. O petróleo era conhecido mas o seu potencial estava por adivinhar. E o nuclear nem sequer era imaginado.

Em 1900, o mundo ainda estava extasiado com os ecos da Exposição Universal de Paris, e vivia-se uma revolução tecnológica. Parecia não haver limites para os sonhos do homem. Júlio Verne, melhor que ninguém, encarna esta visão nos seus livros. Entre nós, ficou-nos a “Cidade e a Serras” do nosso Eça que confronta o “novo mundo”, isto é, a civilização com o campo, ou as serras. E que, ao arrepio da tendência dominante, toma partido pelo campo, e desaprova as “modernices” de Jacinto que morava nos Campos Elísios, e já tinha elevador.

Não se falava de limites do crescimento, e questões como o esgotamento dos recursos, como a poluição ou o aquecimento global, nem sequer eram afloradas. Falava-se do progresso, dum Mundo super-organizado mas não se antecipavam os custos da complexidade que isso iria provocar.

E, apesar de tudo, nas previsões do "Ladies Home Journal" impressionam alguns acertos. Fala-se do telégrafo, e do telefone universal, do envio de imagens a longa distância, e da perfeita reprodução fotográfica da cores da natureza. E até já se dizia que os homens do futuro iriam ser mais altos. Vê-se apenas o lado bom do homem, o optimismo prevalece. Mas é uma visão “ocidental”, onde não se vislumbra o acesso dos “bons indígenas” à emancipação e à igualdade.

E daqui a 100 anos, como será o Mundo?

O homem está hoje menos optimista, vive mais angustiado. E, já ninguém imagina o futuro como a “reconstrução” do Éden. Já não temos Júlio Verne, mas temos os livros e os filmes que nos falam do colapso (2012) e nos mostram as ruínas das grandes cidades depois de cataclismos, das pestes, do extermínio nuclear, de novas idades de gelo.

O mundo de hoje é um mundo pessimista em relação ao futuro, e, infelizmente, parecem sobrar as razões para que o seja.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

A população e os recursos naturais

No último século, a população mundial quadruplicou, passando de 1,7 mil milhões, no início do século XX, para os actuais 6,7 mil milhões de pessoas. Por outras palavras, pode afirmar-se que, nos últimos 100 anos, a população mundial aumentou exponencialmente com uma taxa de crescimento de 1,8 %, e que duplicou nos últimos 40 anos.

Contudo, se observarmos o crescimento da população em diferentes áreas do planeta, verifica-se que o mesmo não foi uniforme. Em muitas dessas áreas o crescimento foi muito forte e noutras foi muito fraco, nulo, ou até mesmo negativo. No primeiro caso, estão países da África subsariana, da América Latina e da Ásia, e no segundo, estão alguns dos países mais desenvolvidas da Europa e da América do Norte.

E as previsões da Organização das Nações Unidas apontam para que a população mundial seja, em 2050, de cerca 9 mil milhões. São previsões preocupantes tendo em conta que mais população significa necessidade de mais alimento, de mais energia, e de mais recursos. Num planeta finito e com recursos limitados, coloca-se uma vez mais a eterna pergunta: até onde poderá crescer a população mundial, e quais são os limites a esse crescimento?

Desde Thomas Malthus que se discute a relação entre o crescimento populacional e a disponibilidade dos recursos necessários para o manter. É certo que a previsão de Malthus (que dizia que a população não poderia crescer em progressão geométrica, quando os recursos cresciam em progressão aritmética), não se concretizou. Depois, este foi também o tema central no relatório "Os Limites do Crescimento" do Clube de Roma, em 1972. E hoje, quando o mundo enfrenta a primeira grande crise da era da globalização, o assunto volta a estar de novo na ordem do dia.

E no entanto, se pensarmos um pouco poderemos concluir que tanto Malthus como a equipa de Denis Meadows (dos Limites do Crescimento) poderiam estar certos nas suas previsões. E, acredito eu, o tempo vai acabar por lhes dar razão. Com efeito, na época de Malthus não se conheciam as grandes reservas energéticas (combustíveis fósseis), e as previsões do estudo do Clube de Roma, ainda hoje não podem (por não ter decorrido o tempo suficiente) ser desmentidas.

O que provocou o grande aumento populacional dos últimos 100 anos, foi o grande crescimento económico, a revolução verde, e o desenvolvimento tecnológico. Mas a perfeita correlação entre aumento populacional e consumo energético deixa claro que foi a disponibilidade de uma energia abundante e barata (sobretudo o petróleo), a verdadeira causa deste extraordinário crescimento.

E se um dia faltarem os recursos para sustentar o crescimento populacional o que acontecerá? Como é que poderá ser contido esse crescimento? Naturalmente, baixando a natalidade, ou aumentando a taxa de mortalidade ou as duas coisas ao mesmo tempo. Mas seja qual for a opção, as consequências são imprevisíveis. Porém, uma coisa parece certa: se os limites forem ultrapassados, e nós não formos capazes de fazer a regulação, o planeta vai encarregar-se de a fazer.

Em Portugal, a população mantém-se mais ou menos estável desde 1960 (cerca de 10,5 milhões) . Mas a estrutura da nossa pirâmide etária modificou-se muito devido a vários movimentos: emigração nos anos 60, guerra colonial, retorno dos portugueses de África nos anos 70, fluxos imigratórios a partir dos anos 90. Ao mesmo tempo a taxa de natalidade baixou assustadoramente, e, como consequência, a população portuguesa envelheceu muito, e vai continuar a envelhecer nos próximos anos, como se pode ver nos seguinte gráfico:

Neste grafico está, a preto, a percentagem da população com mais de 65 anos, e, a cinza, a taxa de envelhecimento que é a proporção entre velhos (65+) e jovens (0-15). Fonte INE, e previsões minhas, para o período após 2010.

Como é que Portugal vai lidar com as consequências deste envelhecimento populacional ? Quais os custos para o Estado social, como iremos conter as pressões migratórias dos países pobres e sobrepovoados , sobretudo dos países do norte de África, da Ásia e da América Latina?

Não podemos meter a cabeça na areia e ignorar esta realidade. É hoje evidente que os recursos (energéticos, hídricos e minerais) não poderão acompanhar as previsões do crescimento populacional. O progresso tecnológico, também ele, tem limites. Teremos de passar a consumir menos, e de reaprender a andar a pé, e a cultivar a terra.


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segunda-feira, 10 de maio de 2010

À atenção do BE de do PCP

Lisboa, Maio de 2010

Dizem os jornais que ambos os vossos partidos se preparam para rejeitar, na AR, a suspensão do decreto que autoriza o investimento programado para o chamado projecto da alta velocidade ferroviária, o “TGV Lisboa-Madrid”. A ser verdade o que os jornais dizem, é uma notícia triste, porque revela a estranha miopia de quem devia andar de olhos abertos.

O verdadeiro debate do TGV para Madrid não se pode reduzir à questão de saber se um tal investimento deverá ser feito ou não. Nem se é oportuno fazê-lo agora (quando Portugal está fragilizado perante os especuladores internacionais), ou se deve deixar-se para mais tarde.

O real nó górdio da questão consiste em que Portugal ficou “preso” à presente “solução” do TGV, quando aceitou a visão espanhola de uma estrutura ferroviária ibérica radial, a partir de Madrid. Não interessa agora discutir quem foram os culpados dessa submissa aceitação. A verdadeira questão associada ao "TGV" é a de saber se Lisboa deve ser um “nó” de primeira categoria na rede europeia de alta velocidade, ou se limita a ser um "nó” secundário, "pendurado" na ligação a Madrid.

Apresentada como sendo o “TGV Lisboa-Madrid” esta ligação é na realidade o “AVE Madrid-Badajoz”, acrescentada de uma “perninha” até Lisboa. Trata-se de facto dum projecto espanhol, em que o material circulante será espanhol, a gestão da exploração será espanhola, as ementas do bar hão-de ser castelhanas, os funcionários e tudo o mais castelhanos serão.

Adiada sine die a ligação ao Porto, Portugal perde qualquer iniciativa no domínio da alta velocidade. E Lisboa, assim ligada a Madrid, de algum modo perde o seu estatuto de "cidade capital na Europa". Passará a ser vista como uma cidade de segunda categoria na Ibéria, possivelmente a quarta, depois de Barcelona e Sevilha.

O papel português neste projecto será apenas o de rasgar o Alentejo para construir a linha. Vai usar-se mão-de-obra muito pouco qualificada, possivelmente importada. Ao fim de 3 ou 4 anos, agravaremos fortemente a nossa legião de desempregados, aos quais haverá que somar as famílias, entretanto trazidas para Portugal.

Convém não esquecer que, no século XIX, Portugal optou por uma solução de outro tipo: foi eleita a ligação directa a Paris pela via de Salamanca, Valladolid, Burgos e Irún. É por aí que passa a nossa ligação natural à Europa, (foi por aí que o Jacinto queirosiano regressou de Paris às serras de Tormes,) e será ainda por aí que a verdadeira ligação continua a passar. É por Vilar Formoso que entram e saem, diariamente, centenas de camiões TIR. E é exactamente esta visão que agora aparece sacrificada, na aceitação da “visão” espanhola.

Os portugueses, no futuro, não perdoarão aos seus dirigentes que se aceite a ligação para Madrid sem, ao mesmo tempo, negociar com Espanha a nossa "verdadeira e natural" ligação á Europa. Esta é, a meu ver, a primeira condição a exigir, para aprovação definitiva do famigerado TGV.

Apenas mais dois reparos: o projecto Lisboa-Madrid não será rentável, pois é esta a inequívoca conclusão dos estudos da Rave, os quais prevêem cerca de 1000 passageiros por dia em 2030. Isso dá para encher um comboio diário, em cada sentido! Além disso, tal como está projectada, a linha não servirá para escoar as nossas mercadorias.

Vai tudo isto “com conhecimento” ao Partido Socialista, sem grande esperança de acolhimento. Pois me parece que os seus activistas estão dopados sobre o assunto, desde que alguém escolheu reduzir a questão a um diferendo, se não a um “braço de ferro”, entre José Sócrates e Cavaco Silva.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

É urgente um PEC energético para Portugal

A avaliação energética é uma questão central para entender a actual crise económica e financeira, e para perceber a sua previsível evolução. Decisões sobre esta matéria como, por exemplo, a opção de investir na construção de eólicas, ou na construção de barragens, ou até uma decisão ou tomada de posição sobre o nuclear são extremamente importantes, e elas vão ter consequências no futuro da nossa economia. Por isso deveriam ser objecto de uma ponderada e alargada análise e discussão. Infelizmente nem sempre isso acontece.

Portugal, é sabido, tem uma grande dependência energética pois importa todos os combustíveis fósseis que utiliza (carvão, gás natural e petróleo), os quais representam, segundo números da AIE de 2006, 83% do nosso consumo energético. Em certos anos essa percentagem aumenta, pois Portugal chega também a importar energia eléctrica de Espanha. Na Europa, se excluirmos Chipre, Malta e Luxemburgo, apenas a Irlanda e a Itália apresentam valores de dependência energética externa superiores ao nosso.

A principal fonte de energia utilizada em Portugal é o petróleo o qual, após ser refinado, é utilizado sobretudo no sector dos transportes. Um interessante artigo de Luís de Sousa, membro da Aspo Portugal, mostra que os países europeus mais dependentes do petróleo são exactamente os “pigs” (Grécia 58%, Irlanda 55%, Portugal 55%, Espanha 48%, Itália 46%), e esse facto não será estranho à grave situação económica que estes países atravessam.

A electricidade é uma forma de energia secundária pois é obtida a partir de outras formas de energia. Mas a electricidade representa apenas 18% da energia final consumida em Portugal. Ora, é na produção de electricidade que o actual governo está a fazer um grande esforço para ganhar independência, investindo nas energias renováveis. Destas destacam-se a energia hídrica e a energia eólica, sendo que a energia solar ainda tem pouco significado.

O consumo de energia eléctrica em Portugal foi, em 2009, de 52 TWh (Terawatts hora). Entre 2000 e 2009 a taxa de aumento anual do consumo foi de 1,5%, e ele deverá continuar a aumentar. Admitimos que a consumo de energia eléctrica, caso se mantenha essa taxa de aumento anual, chegará, em 2020, aos 62 TWh. Valor este que poderá mesmo ser ultrapassado, caso se generalize a adopção do automóvel eléctrico.

A energia hídrica já representou uma quota-parte muito elevada na produção eléctrica quando, nos anos 50, foi implementado o programa das barragens nos rios do norte (Douro, Cávado e outros). Portugal chegou, nessa época, a produzir a quase totalidade da sua energia eléctrica por este processo. Mas o consumo de electricidade subiu rapidamente e houve necessidade de começar usar outros combustíveis para a sua geração. Apareceram então as centrais térmicas a carvão e a fuel, mas a partir dos anos 80, com o preço do petróleo a subir, o fuel foi sendo gradualmente abandonado. Recentemente, o gás natural, pela sua conveniência e eficiência, ganhou uma grande expressão nas centrais eléctricas de ciclo combinado.

A produção eléctrica pela via hídrica é muito variável de ano para ano: entre 2001 e 2009, o seu contributo variou entre 10% e 33% do total, tendo sido de 20% o valor médio desse período. Com a prevista construção das novas barragens a hídrica passará a representar 21%, sendo este apenas um valor indicativo pois continuará a haver grandes oscilações inter-anuais.

A opção a favor das eólicas começou a ganhar força nos últimos anos, e Portugal é um dos países que mais tem investido nesse sector. Em 2009, elas já foram responsáveis por 14% da electricidade consumida, e esse valor poderá chegar a 24% (duplicará passando de 7,5 TWh para 15 TWh) em 2020, se forem cumpridos os ambiciosos projectos anunciados pelo governo.

Mas estas medidas não irão resolver os problemas energéticos de Portugal. Mesmo que a electricidade passe dos actuais 18% para 20% do mix do consumo final, as eólicas passarão a representar 5% do consumo total e a hídrica 4%, ou seja as renováveis representarão, na melhor das hipóteses, cerca de 10% do total da energia consumida em Portugal. A energia solar fotovoltaica, pelo seu elevado custo de produção, ainda tem, e continuará a ter por muito tempo, contributos desprezíveis.

Vamos, pois, continuar a depender dos combustíveis fósseis, e com as renováveis o valor de 83% de dependência será apenas reduzido, em 2020, em 3 ou 4 pontos percentuais. E em anos de carência de chuva poderemos ter de voltar a importar electricidade de Espanha e a recorrer mais ao carvão e ao gás natural. É, pois, urgente tomar medidas, fazer uma especie de “pec” energético, de forma a reduzir a factura dos fósseis. Algumas das medidas que eu recomendaria são as seguintes:

1. Continuar a apostar nas energias renováveis para incorporar na rede eléctrica.
2. Reduzir fortemente o custo energético nos transportes, única forma de reduzir a importação de crude. Esta é uma medida essencial e que não deveria esperar mais tempo.
3. Aumentar a eficiência energética (dos transportes, dos edifícios, dos electrodomésticos)
4. Repensar as grandes obras pois elas consomem energia na sua construção, e absorvem recursos que poderiam ser utilizados para outros fins.
5. Discutir a opção nuclear. Com o previsível esgotamento dos recursos fósseis, só uma total miopia poderá ignorar esta fonte alternativa. Aliás, ela já é utilizada cada vez que importamos energia eléctrica de Espanha.
6. Estimular a pequena produção eléctrica local baseada no solar e nas mini-eólicas. Esta deveria ser uma medida urgente, e até uma alternativa às obras megalómanas como forma de estimular o emprego.
7. Melhorar a rede eléctrica, medida essencial para integrar formas de produção diferenciadas e dispersas.