segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Haiti: um problema de difícil solução

Os lamentáveis sucessos decorrentes do terramoto de Port-au-Prince têm servido para dar a conhecer ao Mundo um país muito pobre e cheio de contradições. O Haiti parece um país deslocado no espaço e no tempo: é um país de africanos longe de África, e é um país de pobres mesmo ao lado do império dos ricos; é um país onde os benefícios do progresso não chegaram, onde a esperança de vida à nascença não ultrapassa os 60 anos, onde o futuro não é risonho para o jovens.

A ilha onde se situa o Haiti é a Ilha Hispaniola onde aportou Colombo, em Dezembro de 1492, quando chegou às Índias Ocidentais e onde, pela primeira vez, tomou contacto com os índios americanos (os quais, passado pouco tempo, desapareceram completamente da ilha).

Os haitianos são hoje 10 milhões, a viver num território do tamanho do Alentejo. Mas em 1950 eram 3 milhões o que mostra bem o elevado crescimento populacional (o Haiti tem a taxa de natalidade mais alta do hemisfério ocidental). 50% do haitianos têm menos de 20 anos e 50% são analfabetos. Existem ainda 2 milhões a viver fora do país, sobretudo na República Dominicana e nos EUA.

O Haiti já terá sido um país, nos séculos XVII e XVIII, agricolamente rico (sobretudo açúcar), e terá sido essa uma das razões que fez levar milhares de escravos para a ilha. Mas hoje o solo está esgotado, erodido e empobrecido pela desflorestação e pela agricultura intensiva. Uma escassa produção agrícola (café, manga) é insuficiente para alimentar a população; 40% do orçamento do Haiti é assegurado pela ajuda internacional; 1% dos mais ricos detêm 50% da riqueza. Isto ilustra bem as contradições existentes.

Se tivesse ocorrido há mais de 100 anos a destruição de Port-au-Prince seria um processo irreversível. A selva voltaria a crescer no lugar dos edifícios tal como cresceu nas cidades abandonadas dos Maias. E os haitianos estariam condenados a estiolar à míngua de recursos. Seria mais um exemplo de colapso social à semelhança de tantos que se verificaram ao longo da história da Humanidade.

Mas neste tempo de globalização a tragédia entra nas nossas casas, e o mundo não pode ficar indiferente. Os países mais ricos, com os EUA à frente, vão, por isso, reconstruir o Haiti, e já se fala de um novo plano Marshall. A ajuda americana será acima de tudo concretizada por uma forte injecção de dólares, a reconstrução será feita com materiais americanos e até servirá para ajudar a estimular a economia americana e a criar emprego. Mas aos americanos interessa sobretudo evitar a emigração em massa dos haitianos para os Estados Unidos.

Hoje, o Haiti é claramente um país com uma população acima da sua capacidade de carga, um forte candidato a uma ruptura eminente. A sua população, a manter-se a actual taxa de natalidade, será de 20 milhões daqui a 50 anos. Ora o bom senso mostra que isto é uma impossibilidade económica e ecológica. Dá que pensar e revela a dimensão do problema para o qual é difícil antever uma solução.

O futuro do Haiti é, pois, sombrio. Ajudar o Haiti, como tem sido feito até agora, é uma solução transitória, e nada resolve a longo prazo. A ferida está aberta, mas não se pense que isto é só um problema dos haitianos. Mais tarde ou mais cedo, as réplicas deste tremor de terra irão chegar ao mundo dos ricos. Porque o Haiti faz parte de todos nós. E se o Haiti colapsar tal não será bom para ninguém. O mundo inteiro, quando chegar a hora, pagará a factura. Possivelmente mais cedo do que se imagina.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

O terceiro choque petrolífero

Nos anais da história económica, o ano de 2008 vai ficar assinalado como o ano do terceiro choque petrolífero. O primeiro ocorreu em 1973, na sequência do embargo de fornecimento ao Ocidente por parte dos países árabes. O segundo teve lugar em 1980 e está associado aos cortes de produção de crude, como resultado do conflito armado que opôs o Irão ao Iraque.

Mais do que um choque, o que aconteceu em 2008, no plano energético, foi um verdadeiro tsunami. O preço do crude, que atingiu 147 dólares por barril em Julho de 2008, foi a crista duma vaga destruidora que se abateu sobre a economia mundial. No entanto não parece existir uma causa única e directa, facilmente identificável, para este terceiro choque. É certo que a escalada dos preços ocorreu após o desencadear da crise financeira nos EUA, que ficou conhecida pela crise do subprime, em que terá havido uma forte pressão especulativa sobre os preços das matérias-primas. Mas a relação de causa e efeito entre estes dois acontecimentos ainda não é clara.

A explicação poderá também estar associada ao elevado crescimento das economias emergentes, sobretudo da China e da Índia, que levou a uma pressão na procura de crude por carência energética. Uma consequência dessa carência foi a reactivação do consumo de carvão. Entre 2001 e 2006, este consumo teve um crescimento espectacular de 5,5% ao ano, contrariando a tendência anterior de estagnação na década anterior, em que o crescimento do consumo de carvão se ficara, em média, pelos 1% ao ano.

Em 2008, no auge da alta de preços, falou-se insistentemente no pico da produção de petróleo como principal causa do aumento do seu preço. Estranhava-se que apesar da elevada cotação da matéria-prima, desde 2004 que a produção teimasse em estagnar nos 86 milhões de barris por dia. E era evidente que as novas áreas de produção de Angola e da Ásia Central dificilmente compensavam as perdas em áreas produtoras tradicionais, como o México e o Mar do Norte.

Os preços do petróleo recuaram e o consumo diminuiu. Recorde-se que também após o segundo choque, em 1980, houve uma quebra nos preços e no consumo de petróleo. O mundo assistiu então ao rápido desenvolvimento de novas áreas de exploração fora da OPEC, nomeadamente no Golfo do México, no Alasca, e sobretudo no Mar do Norte. Foi também após 1980 que se assistiu ao acelerado desenvolvimento da exploração do gás natural, que aliviou muito a pressão sobre a procura de petróleo. Também nesse período se verificou a entrada em actividade de muitas centrais nucleares, sector que entre 1980 e 1985 duplicou a sua importância. Tudo isso permitiu relançar a economia mundial que prosperou nas duas décadas seguintes.

As perspectivas apresentam-se agora com tons mais sombrios. Para o Dr. Fatih Birol, economista chefe da Agência Internacional de Energia (AIE), a crise financeira e o baixo preço do petróleo já estão a provocar adiamentos em projectos de exploração em empresas independentes, e também no Médio Oriente. A crise, e a premência da sua ultrapassagem, veio relegar para segundo plano muitas das preocupações dos governos, no plano das energias alternativas e da eficiência energética.

Em particular para o petróleo, ele antevê um mar de dificuldades. As grandes jazidas estão a esgotar-se ao ritmo de 6,4% ao ano. E antecipa que esse esgotamento vai acelerar-se no futuro, porque se extrai agora mais petróleo em jazidas mais pequenas, e em plataformas marítimas, onde os ciclos de exploração têm períodos mais curtos. Só para compensar esse esgotamento, diz Birol, vai ser necessário desenvolver, até 2030, novos projectos capazes de produzir 45 milhões de barris por dia, o equivalente à produção de quatro Arábias Sauditas. Além desse valor, será ainda necessário produzir diariamente mais 20 milhões de barris, para satisfazer o natural aumento da procura.

Ou seja: cerca de 60% do petróleo a produzir em 2030 terá ainda que ser encontrado, ou colocado em exploração; e para conseguir tal objectivo será necessário investir; porém, o investimento só será possível com preços do barril acima dos 80 dólares, aceites como custo marginal para produzir um novo barril de crude.

Vive-se hoje no mundo um angustiante clima de recessão. Para sair desta situação, urge recuperar o crescimento económico. E essa recuperação vai depender do crescimento da produção de energia. O tsunami de 2008 está agora na fase de regressão, e deixou o lodo a descoberto. Esperemos que não tenha réplicas.