segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

O Século da República

Comemora-se este ano o centenário da proclamação da República em Portugal. É o momento oportuno para uma reflexão sobre o que foi primeiro século da República. E nada como uma comparação entre o Portugal de 1910 e o Portugal de 2010 para nos ajudar a perceber de onde vimos, onde estamos e para onde vamos.

O Portugal do início do século XX era um país à procura de si próprio: as crises sucediam-se; o Brasil tinha sido perdido em 1822, havia quase cem anos, as lutas liberais tinham trazido, na segunda metade do século anterior, a alternância de poder e alguma prosperidade; a África que tinha saído da conferência de Berlim e do sangramento nacional que fora o Ultimatum, era já uma esperança mas era ainda uma miragem.

Na Europa vivia-se um longo período de paz; desde 1870 que não havia grandes conflitos, e, como Eça de Queirós já tinha comentado anos antes, “podia viajar-se tranquilamente de Lisboa a Moscovo com um simples passaporte". O reinado do carvão estava no seu auge. Carvão que tinha sido responsável pela revolução industrial, mas tinha permitido também o aparecimento de uma nova classe, os proletários, com os conflitos inerentes a uma condição social precária. Adensavam-se já sobre a Europa as nuvens negras que em breve levariam a um conflito generalizado.

Em 1910, Portugal era um país rural e essencialmente agrícola; 78% da população era analfabeta. A maioria das casas não tinha saneamento, nem electricidade, nem sequer casa de banho. O automóvel era uma raridade. A natalidade era elevada, a mortalidade infantil também. As aldeias portuguesas produziam os bens alimentares que o país consumia, mas as importações (sobretudo de bens manufaturados) já superavam as exportações.

A máquina a vapor, o comboio e o paquete transatlântico tinham, entretanto, vencido distâncias e aproximado os continentes. O desabrochar das Américas atraía uma elevada emigração, e todos os anos saíam de Portugal entre dez a vinte mil pessoas sobretudo para o Brasil e para os Estados Unidos.

Nos 100 anos da República o reinado do carvão deu lugar, progressivamente, ao reinado do petróleo, o mundo tranformou-se, surgiu a globalização. O século da República viu multiplicar por quatro a população mundial. Na verdade foi apenas o tempo de um “flash” na história do homem. A televisão, o automovel, o avião e o turismo fizeram do planeta uma “aldeia global”.

Portugal perdeu a Africa, democratizou-se, integrou-se na Europa. Mas acompanhou o progresso, e alterou a sua forma de viver, passou para o clube dos ricos. Em Portugal temos hoje um estado social, ensino gratuito e generalizado, acesso aos cuidados de saúde. A electricidade trouxe o conforto aos nossos lares, e libertou a mulher para o trabalho fora do lar. As pessoas estão protegidas no desemprego e na reforma. E até os mais carenciados não precisam de estender a mão à caridade pois o estado garante-lhes o sustento.

Mas ao terminar o século da República o mundo começa a perceber que o planeta tem limites, que os recursos são escassos, e que estamos perigosamente a chegar à linha de fronteira, onde se advinha o fim da estrada. E é quando, paradoxalmente, nos pedem para acelerar, em vez de parar e esperar.

Durante o Século da República ganhámos o automóvel, a televisão, o serviço nacional de saúde, mas perdemos a água cristalina dos nossos rios, e perdemos o viço das nossas hortas; trocámos o bucolismo das nossas aldeias pela aridez e pela insegurança dos subúrbios das grandes cidades; ganhámos o direito à reforma mas perdemos o direito de morrer junto dos nossos filhos.

Vamos entrar no segundo século da República, e tudo parece indicar que acaba um ciclo e vai começar outro. Alguns já dizem que nós viemos do pior para o melhor, mas que os nossos filhos e os nossos netos irão do melhor para o pior!

Não sabemos se as pessoas são hoje mais felizes do que eram há cem anos, e é pena não termos esse indicador. Para perceber se valeu a pena.

1 comentário:

  1. Desconfio que somos mais infelizes hoje. Mas criámos o conhecimento e as condições para sermos muito mais felizes no caminho que nos levará da adolescência para a idade adulta...

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