segunda-feira, 8 de março de 2010

TGV não,obrigado

A construção de uma linha férrea de alta velocidade entre Madrid e Lisboa pode fazer algum sentido para Espanha pois ela reforça a centralidade ibérica de Madrid. Mas para Portugal tal ligação não faz nenhum sentido. Não vai gerar tráfego que economicamente a justifique, nem vai resolver o problema de abrir uma via de escoamento das mercadorias portuguesa para a Europa. Além disso, vai fazer com que mais empresas desloquem os seus escritórios centrais para Madrid. Este é um projecto espanhol, que vai ser gerido por espanhóis, que terá material circulante espanhol, e até o pessoal afecto à exploração será também espanhol. E suspeito que as ementas do restaurante aparecerão escritas apenas no idioma de Cervantes.

Uns números que eu fui buscar à Internet, mais precisamente a um estudo publicado no insuspeito “site” da Rave, mostram que o tráfego total previsível para o percurso entre as duas capitais será, em 2033, de cerca de 1,6 milhões de passageiros ano, e que 36% desse tráfego será, naquela data, afecto ao transporte ferroviário. O referido estudo fala, é certo, de um tráfego global de 9 milhões de passageiros mas estes são os números do tráfego intermédio, como, por exemplo, entre Lisboa e Vendas Novas ou entre Talavera e Madrid. Mas este não é o tráfego que interessa ao TGV, e estes números só servem para criar confusão ou tentar justificar o injustificável.

Feitas as contas, o estudo conclui que em 2033 haverá 576,000 passageiros por ano (ou seja, 1600 por dia) a fazer o percurso de comboio entre as duas capitais ibéricas. Não vi no estudo como foi estimada a evolução temporal deste tráfego, mas acredito que tenha sido de forma optimista e exponencial, como de costume, para justificar o investimento. Mas admitamos, com benevolência, que nos primeiros anos da vida do projecto serão 1000 passageiros por dia, 500 em cada sentido. Ora isto corresponde a um comboio de 8 carruagens com 60 passageiros cada, a fazer diariamente um percurso de ida e outro de volta.

E, para agravar as coisas, convém lembrar que estes passageiros serão roubados ao novo aeroporto e, uma boa parte deles, à transportadora aérea nacional numa ligação que acredito seja de boa rentabilidade. E vamos nós, em tempo de vacas magras, construir uma linha (que ainda por cima não é dimensionada para o tráfego de mercadorias) e uma nova ponte sobre o Tejo para transportar mil passageiros por dia! Afinal grandes custos e fraco benefício.

Vem a propósito de mercadorias, referir que, viajando pela Beira, num domingo de Fevereiro passado, em apenas meia hora, entre as 11 e 11,30 da manhã, eu contei 80 camiões TIR na A25 entre Guarda e Vilar Formoso. E apenas no sentido da saída de Portugal.

É este o caminho natural de Portugal para Europa. Muito do tráfego de mercadorias que utiliza esta ligação rodoviária poderia ser feito por caminho-de-ferro, com economia de meios, de pessoal e de energia. Mas não pode porque a linha férrea acaba em Irun, na fronteira entre a Espanha e a França. A partir de daí a linha francesa é mais estreita (tem a bitola europeia), e os comboios não podem ir mais além sem um inconveniente transbordo. É por essa razão que não se transportam mercadorias de Portugal para a Europa por caminho-de-ferro. E depois de construída a linha do TGV para Madrid a situação não mudará, pois a linha é só para passageiros, e o caminho por Madrid não é o que interessa ao escoamento das mercadorias portuguesas.

Negoceie-se pois com os espanhóis a urgente e prioritária construção de uma linha de bitola europeia pelo percurso da linha da Beira Alta e com seguimento por Valadolid e Burgos até à fronteira francesa. A pensar nas mercadorias, claro. Nas mercadorias que necessitamos de importar e de exportar para lá dos Pirenéus.
Não será com o TGV para Madrid que Sócrates ganhará direito a estátua ou a nome de rua. Só se for em Madrid ou Badajoz.

2 comentários:

  1. O mesmo, insuspeito, site (RAVE) que está hoje a ser publicitado em tudo o que é internet, como o JP tão bem frisou. E que seja feito precisamente hoje publicidade à rápida construção do TGV?!?!

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  2. Gostei sinceramente do escrito. Comungo das mesmas ideias para este caso concreto do TGV e diria até que no que respeita à construção do novo aeroporto a filofia a empregar deve ser a mesma. adie-se pois a contrução também de Alcochete. Quem não tem cão, corre com um gato. O País está com dificuldades graves por culpa de muitos (ir)rresponsáveis ao longo, pelo menos, dos últimos vinte anos. Por isso não se pode meter em cavalarias altas. E essa de se negociar com a Espanha a criação de uma linha ibérica de bitola europeia também seria uma boa medida. Não se compreende como um país com a dimensão do nosso tem que ter um parque de viaturas pesadas de mercadorias como o que tem. Precisa-se que o caminho de ferro em Portugal seja dinamizado para o transporte de mercadorias, não esquecendo o interesse do ramo passageiros. Para isso há que renovar a Linha do Oeste, acabar rapidamente a renovação da linha da Beira Baixa e quem sabe, reactivar outras linhas encerradas abruptamente. Há que dinamizar a agricultura para se evitarem importações e fomentar o emprego. Há muita coisa para fazer que o caso do TGV é que não nos interessa mesmo nada pelas razões brilhantemente expostas.

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