segunda-feira, 21 de maio de 2012

Eduardo, o Magnífico

A entrega do Prémio Pessoa a Eduardo Lourenço, no passado dia 14 de maio, pela oportunidade e pela justeza na sua atribuição, representa um momento alto para a cultura Portuguesa. Para participar na cerimónia, estiveram na Culturgest além dos representantes dos promotores do prémio (Expresso e CGD), figuras da cultura, da política e as principais figuras do Estado: o Presidente da República, a Presidente da Assembleia da República, o Primeiro Ministro, o Presidente do Tribunal de Contas, dois antigos presidentes, ex-ministros, e sei lá quem mais!

 Ali, mais uma vez, assistimos a uma lição magistral dada por um homem que já demonstrou há muito ser o português mais lúcido e esclarecido do nosso tempo. E, perante tão luzida manifestação, ocorre-me perguntar: que atributos tem este homem simples que atraem tanta gente à sua volta?

Já vimos, noutros contextos, uma grande unanimidade nacional à volta de portugueses das áreas do desporto ou até do espetáculo (como foram os casos de Eusébio, Rosa Mota ou de Amália Rodrigues!). São sobretudo portugueses que nos projetaram internacionalmente e promoveram o nosso orgulho nacional. E temos, é certo, grandes vultos como Camões, Pessoa, Eça ou Herculano que, a posteriori, se projetaram como estrelas no firmamento do nosso passado comum. Mas poucos portugueses, na área do pensamento e da cultura, terão tido, em vida, tão plenária aceitação como Eduardo Lourenço.

Lourenço é um pensador iluminado, analisa, estuda , e (diz ele!) não prevê (não tenho qualidades de Sibila, nem quero ser Cassandra). É firme nas suas convicções mas não alimenta polémicas. Na verdade não encontraria ninguém à sua altura, para confrontar ideias, tal o brilho e a elevação do seu pensamento.

Nasceu nas terras frias e pouco amanhadas, e historicamente indefinidas, de Riba Côa. Não ostenta riqueza, não tem ambição de poder. Não carrega pergaminhos familiares, nem tem nome sonante de família nobre. É humilde e é incondicionado. Não é um académico, nem empresário, não tem nada para vender. Não é cliente de ninguém nem alimenta clientela própria. Não se assume à esquerda mas também não defende os ideais de direita. Não se mostra crente mas fala de Deus com respeito e não ofende a religião. Tem orgulho nas suas origens humildes e na sua família. Fala do que sabe e sabe do que fala. Chega a fazer graça com coisas sérias mas toma todos a sério, e a todos respeita. Não se exprime com estrangeirismos nem expressões importadas, antes pelo contrário, usa o português com propriedade e sabedoria.

Vive fora de Portugal, mas conhece e entende Portugal como poucos. Tem uma noção muito lúcida sobre a Hispanidade, e parece encontrar mais semelhanças do que diferenças entre as culturas dos povos ibéricos. Não é da maçonaria, nem pertence à opus dei, nem consta que participe nas reuniões do grupo Bilderberg. Não tem, nunca teve, ambições políticas. Parece, pois, ser um homem comum.

Mas Lourenço, é, à sua maneira, um príncipe da Renascença. Ao entregar-se e ao disponibilizar-se para participar nas homenagens de que á alvo, acaba por ser ele o mecenas, dando-se a si próprio para abrilhantar e elevar o ego dos promotores. Assenta-lhe bem este cognome de "magnifico" atribuído, embora por razões diferentes, a outro Lourenço que, no período de quatroccento, brilhou em Florença.



segunda-feira, 14 de maio de 2012

A França e Hollande


Nas eleições presidenciais em França, tal como era esperado, a corrente socialista venceu a corrente mais conservadora. A senhora Le Pen não deu indicação de voto para a segunda volta, por que não quis dividir e desperdiçar o seu capital eleitoral, e prepara-se agora para as legislativas, onde poderá voltar a surpreender. Com a pompa e circunstância próprias da velha república, François Hollande será, pois, dentro de dias, "consagrado" como novo presidente dos franceses.

Numa Europa ainda em construção e no contexto da crise actual, o caminho da governação dos países que a integram (muito em particular os do Eurogrupo) é muito estreito. As opções são poucas, considerando que a primeira prioridade é evitar a rutura do sistema (sobretudo do sistema financeiro), e, ao mesmo tempo, manter a paz social. Os políticos e os governantes estão colocados perante  um dilema: de um lado a está a economia, do outro lado estão as pessoas. Ora, a economia para funcionar precisa de ter garantidos certos pressupostos os quais muitas vezes vão contra o interesse das pessoas. E os governantes têm de fazer escolhas, e são quase sempre obrigados a optar entre salvar  a economia ou satisfazer os interesses das pessoas.

Questionam-se agora os analistas sobre o que mudará, em França e na Europa, com a chegada de Hollande que sucede a um desajeitado e truculento Sarkozy.  Importa pois refletir um pouco sobre o que se ganhará  e se perderá com Hollande na presidência da França.

Posso imaginar que uma das primeiras preocupações do novo presidente será atuar no sentido da  redistribuição da riqueza, o que, no quadro das leis e da política europeia, só pode ser conseguida pela via fiscal, que é sempre um pau de dois bicos. A mesma fiscalidade que redistribui a riqueza pode contrariar a retoma do crescimento económico e até afetar negativamente a estabilidade financeira que este requere.

Manter as regalias do estado social é outra das matérias que estará em discussão. Dizem muitos (lembro-me, por exemplo, de Mário Soares!) que o estado social é, na Europa, uma conquista irreversível, e que não pode ser questionado. Mas o direito à habitação, o direito ao emprego, o direito à saúde, o direito à educação, num quadro de respeito pelos direitos fundamentais, só podem ser assegurados pela Economia e não pelo Estado.  E a economia é cega e não tem humanidade!

Liberalizar as leis laborais será outro dos dossiers polémicos de Hollande, e, também gerador de polémica, pois essa liberalização é uma exigencia para a Economia e uma contrariedade para os assalariados. Limitar ou condicionar a  imigração será uma das bandeiras da direita mais conservadora que apelará para conceitos de nacionalismo e autoridade, apelando para a emotividade que lhes está associada.

O objetivo primordial, repetido à exaustão, será o de fomentar o crescimento económico. Existe uma curiosa e, para mim estranha, concordante coincidência, por parte dos analistas oriundos de todos quadrantes políticos, sobre este ponto. Nos "mass media", ainda não apareceu ninguém a defender, de forma consistente, uma economia sem crescimento. E este é o cerne da questão, pois crescer é o único objetivo que serve simultaneamente a "esta" economia, - por relançar o crédito e os investimentos -, e às pessoas - por ser gerador de emprego.

E se o crescimento for, como parece ser, uma miragem?! Na ausência de crescimento não se irá resolver o acutilante o dilema que opõe a economia às pessoas. As tensões entre adeptos de diferentes soluções vão agravar-se, e as pessoas vão estar cada vez mais contra a economia. Ora como nas democracias as pessoas é que contam, e não é conveniente mexer com as pessoas, só restará mudar a economia. E os decisores actuais  não sabem como fazê-lo sem mudar as regras da livre concorrencia, da livre circulação de capitais, numa palavra, sem tocar nos fundamentos da doutrina capitalista. Eu julgo que não sabem e que também não o querem fazer!

O projeto europeu corre sérios riscos, e um desentendimento entre Merkel e Hollande pode colocá-lo em causa. Merkel vai continuar a defender a economia; Hollande já prometeu que vai defender as pessoas. Ambos estão certos, à sua maneira. Mas poderão seguir caminhos divergentes e inconciliáveis. A Europa pode estar a aproximar-se da hora da verdade. E no terreno da confusão sobram vantagens para a Senhora Le Pen.




segunda-feira, 7 de maio de 2012

Prazer e Felicidade


No seu ensaio de juventude “A tragédia nasce do espírito da música”, o filósofo alemão Friedrich Nietzsche contrapõe dois deuses da mitologia grega para explicar dois tempos da Civilização Helénica, um associado ao culto de Apolo, o deus da Beleza, da Virtude e da Razão, e outro associado ao culto de Dionísio (o Baco dos Romanos), o deus do Prazer e das Libações. E vê o primeiro prevalecente  no apogeu das gestas Homéricas, e o segundo no período da decadência da Grécia.

 Na nossa civilização vive-se o tempo de Dionísio. Nos espetáculos, na publicidade, no entretenimento, nos apelos ao consumismo, cultiva-se o prazer como forma de atingir a felicidade. E até nas artes, no cinema e na literatura isso acontece. Valoriza-se o imediato, o fácil, em detrimento do permanente e do esforçado, desdenha-se do asceta e do abstémio. O sacrifício voluntário como forma de atingir a virtude, é visto muitas vezes, como sinónimo de demência ou sinal de comportamento estranho, quase psicopata.

 Pode-se dizer que vivemos, na nossa sociedade, um tempo de permissividade nos valores e nos costumes, e que faz lembrar o tempo da dissolução da Grécia e também da fase final do Império Romano, tempo em que se celebrava Baco e se organizavam as bacanais onde se cometiam todo o tipo de excessos para satisfazer os desejos. Em oposição ao tempo em que se representava a tragédia e os heróis davam a vida por ideais.

No nosso tempo, os heróis e os santos só têm expressão no cinema ou na banda desenhada. Julgo que não tardará muito tempo para se perceber que o tempo dos enganos proporcionados pela promessa de que se pode atingir a felicidade pela via do prazer,  vai levar-nos à angústia e à depressão coletiva.

O caminho da Transição para uma nova forma  de viver só pode percorrer-se com o espírito apolíneo, com grande rigor, com sacrifício e com humildade.