segunda-feira, 19 de novembro de 2012

A Sociologia da Crise

A experiência foi realizada por cientistas na  Universidade Emory (EUA) e pode contar-se em breves palavras. Dois símios, em jaulas contíguas, são premiados pelas tarefas que executam com rodelas de pepino. Um dia o tratador resolve dar a um deles bagos de uva, um alimento  que eles apreciam muito. O resultado foi que o macaco que continuou a receber as rodelas de pepino revoltou-se, recusou-se a executar as tarefas e devolveu, irado, o alimento ao tratador. Ou seja, entrou em greve, e insurgiu-se.  Para Eduardo Ottoni, especialista em macacos, da Universidade de S.Paulo, a experiência não mostra  que os primatas tenham “sentido de justiça" (sense of fairness). É mais correto falar em "sentido de recompensa justo".

Eu acho que na sociedade dos homens existe um grande paralelo com este comportamento dos macacos. Nas empresas, os aumentos de salário são reclamados, não por serem altos ou baixos, mas por que são comparados como o dos companheiros de trabalho. A revolta dos "indignados"  tem a ver com a percepção das desigualdades, e, infelizmente, tudo parece indicar que o sistema económico que nos rege atualmente não vai ser capaz de resolver o problema.

Tudo corre bem quando substituímos os pepinos por uvas, quando as coisas vão em frente. O pior é quando temos de voltar para trás, quando entramos em períodos de recessão, e temos de deixar as uvas e voltar aos pepinos. Conheço uma alentejana, licenciada na labuta diária da vida, que tem uma visão filosófica sobre o futuro. Diz ela que "nós viemos do mau para o bom; mas os nossos filhos e os nossos netos estão a ir do bom para o mau, e esse será o drama deles ". Ou lembro-me das sábias palavras do meu pai: "Vejo o mundo atual tão diferente daquele em que eu me criei que às vezes até me custa a acreditar como é possível haver tanta coisa para tanta gente. Na minha infância, nós aproveitávamos as coisas até ao limite: os fatos, as camisas, os sapatos nada se estragava.  Os jovens de hoje têm a água quente a sair da torneira, o conforto de uma casa de banho, e poucos sabem o trabalho e as voltas que dá um grão de trigo antes de se transformar numa fatia de pão."

Nesta nossa "idade do ouro", como lhe chamou o almirante Hyman Rickover, acedemos a benefícios   e níveis de conforto que nunca em tempo algum da história tinham sido alcançados. Mas existe um problema material sem solução. O aumento populacional e a escassez de recursos, apesar dos avanços tecnológicos, faz com haja cada vez menos bens a dividir por cada vez mais pessoas. Estamos confrontados com o dilema de Malthus, ou seja a dissonância entre a a estagnação dos recursos e o aumento populacional.

Teremos, pois, de aceitar este andar para trás, e isso não vai ser nada fácil. O sistema económico que temos não funcionará, pois vai estimular e agravar as desigualdades. E o sistema financeiro que foi desenhado para o crescimento contínuo, corre o risco de colapsar.  E para piorar as coisas, existem fatores agravantes, dos quais destaco a complexidade da economia que aumenta riscos de ocorrências de disrupção, a globalização que criou interdependências entre países (se um colapsar, colapsam todos!), e o papel da comunicação social que estimula, amplia e cataliza as reações das pessoas.

Vamos continuar a viver no fio da navalha. Até quando, não sabemos. E num previsível retrocesso civilizacional de que falava Duncan, haverá que esperar comportamentos sociais anómalos, e haverá muita matéria  para ser objeto de estudo pelos sociólogos.

1 comentário:

  1. Caro Luís,

    A economia comportamental usa extensamente este conceito – loss aversion – que foi buscar emprestado à psicologia. A ideia é que usamos sempre pontos de referência nas comparações que fazemos no dia-dia-dia. Por causa desses pontos de referência, o ganho de utilidade por ter mais um dado montante é inferior à perda de utilidade de abdicar do mesmo montante. Ou seja, sofremos mais por baixar em relação à nossa situação actual do que desfrutamos por a ultrapassar.

    Gostei de o ler, um abraço,
    Daniel

    ResponderEliminar