segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

À Procura de Deus


Quando todas as portas se fecham, quando os homens começam a descrer dos seus governantes, quando se torna mais evidente a transitoriedade das coisas, quando tudo parece ruir à sua volta, os homens voltam-se para  Deus e para o sobrenatural. Foi assim nas guerras, nas pestes, nos cataclismos e nas fomes que ciclicamente assolaram o mundo. O fervor religioso floresceu sempre em tempos de crise, e, nessas ocasiões, houve aproveitamentos por parte dos que se afirmavam como guardiões de Deus e se intitulavam seus representantes na Terra.  A inquisição, a intolerância em relação ao livre pensamento, e até as cruzadas são disso exemplos.

Na euforia tecnológica e consumista dos últimos 100 anos, no festim da energia fóssil, o homem acreditou que podia igualar os deuses, e tinha o destino nas suas mãos. Acreditou que podia vencer a depressão e a angústia, que podia superar as doenças, e que a ciência lhe daria resposta para tudo. Porventura, até lhe permitiria descobrir a fórmula mágica do elixir da longa vida que significa a conquista da imortalidade. Para muitos, nesta euforia cornucopiana,  Deus e a Religião passaram para um plano secundário.

Nos nossos dias vive-se uma crise profunda, cujas razões, dimensão e duração ainda são mal percebidas. Acredito que, mais uma vez, ressurgirá a religião como refúgio para a incerteza, para procurar apoio e respostas para o que não se encontra a solução. E com isso pode regressar o oportunismo e a intolerância.

O Deus de Abraão ou o Deus de Maomé já não satisfazem o homem do século XXI nem respondem às suas dúvidas existenciais. Com efeito, a evolução da ciência tornou a Bíblia  e o Corão obsoletos. Depois de Galileu, a Terra deixou de ser o centro do Universo; depois de Darwin, o Homem deixou de ser o centro da Criação; depois de Freud, a Alma esfumou-se nos meandros do subconsciente. Por isso, o Deus-Pai, que, segundo as escrituras, fez o mundo, desmorona-se com as novas teorias do Big Bang. O Deus-Filho que libertou o homem da escravatura e veio dizer que todos somos iguais, ainda é esperança para muitos,  mas falhou na promessa de uma humanidade  mais justa e mais igualitária. Da Santíssima Trindade sobra o Espírito Santo que, na sua imaterialidade, é o último resíduo da Fé, porventura ainda conciliável com a teoria da Consciência Cósmica que procura interpretar o Universo, explicar as leis da Física e justificar a Vida e a Inteligência.

As últimas décadas trouxeram conhecimentos que nos mostraram a verdadeira dimensão do planeta, antes imaginado com o centro do mundo, mas hoje reduzido à sua pequenez cósmica.  O primata que dominou este planeta, o pequeno blue dot de que falava Carl Sagan, de tão insignificante que é já não pode reivindicar a paternidade de Deus nem imaginá-lo à sua imagem. O Céu,  que hoje sabemos ter centenas de milhares de milhões de galáxias, não está apoiado na Terra como pensava Ptolomeu.

Deus existe porque nós queremos que exista, e porque precisamos que ele exista. Mas ele tem de ser reinventado. Não pode ser uma entidade com inteligência, pois ele entende sem precisar de deduzir; não pode ser juiz  pois as leis do universo não têm falhas para julgar; não determina nem governa pois tudo foi pré-determinado no momento Zero, e não pode ser alterado. Enfim, não pode ter atributos porque os atributos limitam e definem, e isso é redutor. Ele é de facto uma não-entidade, semelhante ao éter que foi necessário para explicar as leis da Física,  e sem o qual se cairia no absurdo.

Desde que o homem tomou, pela primeira vez, consciência da morte (afinal o maior absurdo da criação!) que foi condenado a esta procura incessante de Deus. E não vejo que, algum dia, se liberte desta penitência...

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