A época em que vivemos poderá ficar conhecida para os vindouros como a Era do Consumidor, para referenciar a entidade que desempenha o papel central em toda a atividade económica.
Comprar vender e trocar são as atividades que animam o dia a dia dos indivíduos e das empresas. O comércio moldou o mundo tal como ele existe hoje. Esteve na origem de guerras e de conquistas, influenciou a literatura e as artes, promoveu viagens, ajudou a desenvolver os meios de transporte, fez e desfez fronteiras. É responsável pela globalização, e, hoje, muitas vezes, confunde-se com a própria economia.
Foi há cerca de 10,000 anos que a sedentarização dos caçadores-recoletores, ocorrida no Crescente Fértil, em consequência da domesticação de animais e plantas, levou à criação de excedentes, os quais, ao permitir alimentar mais pessoas do aquelas que produziam os alimentos, estiveram na base da diferenciação social. As trocas, a partir daí, tiveram um papel preponderante na vida das novas comunidades que se fixavam em redor das terras de cultivo. O sal terá sido o primeiro produto comercial a ser transacionado. Só estava disponível nos jazigos de sal-gema ou junto ao mar, mas era necessário para as funções vitais e para a conservação dos alimentos. Nasceram as primeiras vias comerciais: as rotas do sal.
No império Romano o comércio teve um grande desenvolvimento A metalurgia do bronze e do ferro para o fabrico de armas e artefactos e a necessidade de ouro para cunhar moedas levou os Romanos a procurar e explorar por todo o império jazidas minerais. A
urbanização tornou necessário atrair ao centro do Império
vastas quantidades de alimentos que fluíam pelas rotas marítimas e terrestres. A cerâmica era necessária para fabricar embalagens de transporte e armazenamento. Do médio oriente vinha as tintas e o incenso e a mirra. Mas o comércio mais ativo seria o dos escravos, a principal forma de energia em que assentava a economia do império.
O comércio floresceu nos burgos medievais que cresceram após o feudalismo. Na Europa central o comércio organizou-se, a partir de Lubeck, nas cidades do Báltico que se uniram na Liga Hanseática, uma espécie de zona de mercado livre com regras próprias. Os artesãos produziam objetos de cerâmica, teciam, e trabalhavam o ferro, o couro, a pedra e a madeira. No arranque do segundo milénio, a utilização da charrua de ferro aumentou a produtividade agrícola. E os excedentes assim criados e o fervor religioso fizeram dos dois séculos seguintes o tempo das catedrais. E foi à sombra dessas catedrais que se aprimorou o trabalho dos artesãos.
As guildas, as corporações de ofícios, impunham regras de qualidade e de preço aos produtos. Parece-me ver aqui o embrião da iniciativa privada que esteve na base da empresa moderna. O vínculo entre produtor (o artesão) e o cliente já contém as bases de uma relação que importava manter e consolidar. Já contava a imagem o prestigio do produtor, já estava esboçado o conceito de marca. A "origem" funciona como certificado de qualidade: ficaram famosos os utensílios de ferro de Toledo, os panos da Flandres, os couros árabes de Córdova, as tapeçarias de Arrás, os vinhos franceses. E os produtos do extremo oriente (a seda, o jade, a porcelana), chegavam e eram valorizados nas repúblicas italianas que prosperaram com esse comércio.
Predomina, nessa altura, o comércio itinerante. As feiras medievais que proliferam por toda a Europa, eram o lugar de encontro entre mercadores e compradores. Os judeus afirmam a sua capacidade de comerciar e empreender e assumem a liderança nos negócios. Surgem novos meios de pagamento, e a atividade bancária, iniciada em Itália, contribui para impulsionar o comércio.
Começaram a procurar-se produtos cada vez mais longinquamente, no oriente e nas profundezas do deserto, produtos como o açúcar, trazido pelos cruzados, o esmalte e o marfim. A rota da seda foi o primeiro elo de ligação entre a civilização do ocidente e o Império do Meio. E serviu para trazer para a Europa a pólvora, a tecnologia do papel e as especiarias.
As descobertas iniciadas no final do século XV pelos portugueses, foram desencadeadas e impulsionadas pelas trocas comerciais, e elas marcam o inicio da globalização. As novas rotas que circundavam a África, e chegavam ao Novo Mundo, trouxeram um novo impulso ao comércio de produtos tais como as especiarias, o ouro, as madeiras exóticas, o açúcar, o algodão, o cacau , óleos, marfim e escravos.
Mas foi no final do século XVIII que a invenção da máquina a vapor, alimentada a carvão, deu lugar à Revolução Industrial, a qual viria revolucionar a economia. Já no século XIX, surgem o comboio e o navio a vapor, que provocam as grandes migrações para as Américas e para África. A produção fabril em massa, a redução dos custos de produção e os excedentes da era industrial estiveram na base de uma atividade nova que floresceu e atingiu o seu apogeu no pós guerra: o
marketing.
O
marketing transformou o
cidadão, nascido na revolução francesa, em
consumidor. E que passou, como veremos, a ser o personagem central da nova economia.
Chapeau!!!
ResponderEliminarMuito bom, como sempre Dr. Luís Queirós...
ResponderEliminarEstou a desejar-lhe um bom ano de 2013, que aqui iniciou com mais um excelente texto. Vou continuar a acompanhá-lo, já não como um "leitor", mas como um "consumidor" das suas ideias e das suas ponderadas reflexões.
ResponderEliminarE a somar a isso, acrescento a minha estima e amizade!