segunda-feira, 13 de maio de 2013

O Relatório 2

Um extraterrestre visita o nosso planeta e descreve o que viu.
 (segunda parte)

A sociedade dos humanos é uma entidade muito bem organizada que se rege por dois sistemas principais: um sistema político que estabelece a forma de acesso ao poder e define as regras e os  códigos de conduta dos  indivíduos; um sistema económico que regula a  produção e a troca dos bens e serviços que alimentam os indivíduos, as suas organizações e a própria sociedade. Existe ainda um sistema que vela pela boa aplicação das regras sociais chamado sistema judicial.

Para o relacionamento dos sistemas que referi, entre si e com a população, contribui um outro importante sistema que utiliza as redes de comunicação globais e que por isso se designa aqui de comunicação social. Trata-se de um sistema fortemente reflexivo que condiciona  e é condicionado pelos outros sistemas mas que interage com eles de forma a  reforçarem-se mutuamente.

Toda esta complexa organização, que não é uniforme pois apresenta diferenças entre os vários territórios, funciona concertadamente de forma a manter o status quo existente. Ela atua no sentido de favorecer o crescimento da produção e a proliferação da espécie mas parece ignorar a sua preservação no longo prazo. Com efeito, pude constatar os seguintes comportamentos de risco:
  • O principal recurso energético usado pelos humanos está a esgotar-se muito rapidamente, mas eles utilizam-no como se fosse inesgotável.
  • A extrema complexidade organizativa que criaram necessita de uma quantidade cada vez maior de energia para se manter. E eles não têm controlo sobre essa complexidade e não se apercebem de que os ganhos de a implementar começam a ser inferiores aos custos de a manter.
  • Estão a interagir com o equilíbrio do planeta, interferindo com as outras espécies, modificando ou destruindo eco-sistemas, e estão, pela emissão de gases poluentes, a alterar a composição da atmosfera. Isto pode tornar as condições ambientais muito adversas para o futuro dos humanos.
  • Dispõem  de armas com grande poder, na verdade com capacidade para se autodestruirem, e acreditam que elas  têm apenas um poder dissuasor, mas podem vir a utilizá-las. Elas estão na posse dos governos de muitos territórios, e existem até pequenos grupos que podem aceder-lhes. Já foram usadas no passado, e poderão voltar a sê-lo, quando da memória dos humanos se for apagando a imagem do seu efeito devastador.
  • Não têm consciência do problema criado pelo rápido crescimento populacional da sua própria espécie, e aceitam, despreocupadamente, esse facto. As classes do topo da hierarquia cultural e social já conseguem separar o acasalamento da reprodução, e, em parte por isso, estão a reproduzir-se menos, e, progressivamente, a envelhecer e a perder importância relativa.
As soluções que estes terráqueos procuram implementar para enfrentar os seus problemas são soluções autofágicas do tipo "mais do mesmo".  Em situações semelhantes ocorridas noutros planetas, elas mostraram-se completamente desajustadas pois tendem a criar mais complexidade, a consumir mais recursos e a aumentar os fluxos poluentes. Em vez de resolver os problemas, elas só os vão agravar.  Parecem, estes seres, desconhecer a lei do declínio  fatal que postula que "uma espécie suportada por um recurso finito, extingue-se quando a sua população cresce mais depressa do que a disponibilidade desse recurso"

Sofrem ainda da "ilusão tecnológica" que postula que espécies inteligentes acreditam que a tecnologia pode criar recursos, quando na verdade ela só os pode gerir e otimizar.  Esta ilusão tem levado a espalhar a ideia de que serão criados recursos energéticos alternativos, mas  que são, afinal, formas diferentes do mesmo recurso. Além disso, a tecnologia contribui fortemente para aumentar a complexidade, e favorece a ocorrência de "acidentes disruptivos".

Os terráqueos  tentam a projetar no futuro os acontecimentos passados pois são possuídos duma  mentalidade linear que ignora a aceleração entrópica do tempo. Esta lei postula que  o tempo acelera com o aumento da entropia ou da complexidade, e, por isso, o passado não se pode projetar linearmente no futuro. Parecem não se ter apercebido da armadilha do "crescimento exponencial", que está na base da referida aceleração.

A colonização de outros planetas não está ao seu alcance, e isso é uma limitação importante, dado que estão confinados, inexoravelmente, à finitude do seu planeta. Prevejo que, no futuro próximo, as pressões demográficas vão aumentar fortemente, a luta pelos recursos vai agravar-se, as alterações do clima vão continuar, e haverá um momento em que será praticamente impossível controlar o uso de armas de destruição, nomeadamente as as nucleares, as químicas e as biológicas. Por tudo isto considero que a probabilidade de haver um colapso desta sociedade é muito elevada.

Tal como aconteceu noutros sistemas, caso se verifique um colapso, poderá seguir-se uma longa noite, os danos serão enormes nos planos  populacional tecnológico e energético. A espécie poderá mesmo extinguir-se ou reduzir drasticamente a sua população, podendo, mais tarde, voltar a emergir.  Por outro lado, esta sociedade criou laços de forte interdependência a nível global que afastam a possibilidade de colapsos parciais, como aconteceu noutras eras em que eles existiram, mas ficaram confinados a certas regiões. Concluo que, na atual fase de desenvolvimento, o  colapso, a existir, será global.

Como nós suspeitávamos a sociedade dos humanos corre sérios riscos, e, para a preservar, pode tornar-se necessária uma intervenção exterior. A possibilidade de fazer a Grande Transição, de uma forma pacífica e ordenada  é cada vez mais remota mas ela ainda é possível se forem tomadas as medidas adequadas. E, cumprindo com o que me foi pedido, vou esboçar a forma como essa possibilidade poderia ser realizada e implementada. Disso falarei na terceira e última parte deste relatório.


3 comentários:

  1. Ora aí está um discurso que chega a fazer inveja. Pelo que diz, e pela forma como o faz.

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  2. E agora ficamos à espera das soluções, que acredito sejam " com cabeça, tronco e membros"... mas o mais difícil está para vir, que é convencer os " terráqueos" da sua necessidade de implementação, numa perspectiva de auto sustentabilidade do sistema....
    mas continuamos a contar com o esforço e a boa vontade do L.Q. .

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