segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Egito


Há apenas alguns anos, o Egito parecia ser um caso de sucesso. Em 1991 iniciou-se, neste país, um programa de reformas com o apoio do FMI que levou à privatização de centenas de empresas públicas. Na década seguinte, foram melhoradas as infra-estruturas e captados investimentos estrangeiros. O sucesso desse esforço teve como resultado um crescimento anual do PIB em torno de 5%, no período de 1995-1998, e de 6,3% em 1998 e 1999. E em 2008, o PIB ainda teve um crescimento estimado em 6,9%. O Egito nunca foi visto como um país de fundamentalismo islâmico, e era muitas vezes referido e elogiado, nos meios de comunicação, pelas suas posições moderadas em relação aos israelitas.

No início de 2011, o mundo sobressaltou-se com a chamada primavera árabe, expressão que designou os movimentos que se sucederam nos países islâmicos banhados pelo mediterrâneo, primeiro na Tunísia, depois no Egito, na Líbia, na Síria e no Iémene. Os políticos, pressurosos, entusiasmaram-se com estes movimentos. Falaram em democracia e defesa das liberdades, e logo idealizaram cenários futuros com modelos de governação ocidentais, aplicados aos países em turbulência. Javier Solana, muito otimista, disse que "Israel não será mais a única democracia da região, e deverá adaptar-se para poder garantir, de outro modo, a sua segurança", palavras que Mário Soares, de imediato, aprovou e considerou sábias (DN 22.2.2011).  Mas o Oráculo de Vence, escrevendo no Público (21.2. 2011) , evoca  as cruzadas  e lembra Avicena e Averrois para esclarecer: “o Islão não se converterá ao nosso modelo”.

Mas é preciso perceber aquele fenómeno que tem causas que não se explicam exclusivamente nem por razões históricas nem políticas. São sobretudo causas económicas (mas não só!), que têm muito a ver com a globalização e são sinais da inevitabilidade da rutura de um modelo nos limites, submetido a várias forças de pressão internas. Sem possibilidade de expandir-se, estas pressões fazem-no “rebentar pelas costuras”. Como força mais evidente temos a que resulta da pressão demográfica. O Egipto duplicou a sua população nos trinta anos do regime de Hosni Mubarak, passando  de 40 para 80 milhões de habitantes.  E, desde a queda do anterior presidente, em pouco mais de 2 anos, a população já aumentou para 84 milhões. Este rápido crescimento produziu uma população urbana e extremamente jovem (31,5% tem menos de 15 anos, e apenas 5% tem mais de 65 anos). A manter-se a atual taxa de crescimento populacional (cerca de 2% ao ano), a população do Egipto voltará a duplicar até 2050. E os problemas irão agravar-se, nomeadamente os alimentares, pois a terra arável, já escassa, vai continuar a ser ocupada por edifícios e outras estruturas, e sobrar menos para a agricultura. E, claro, o desemprego entre os jovens que são já uma geração "net", cada vez mais cultos e informados, continuará a grassar.

Outro factor, influenciador do desequilíbrio do sistema, tem a ver com as desigualdades sociais e com a pobreza, agravadas nos tempos que correm pela carência de recursos alimentares e pela dependência externa. A recente escalada dos preços de certos bens, (o trigo, o milho, o café, a soja, o algodão) provocou inflação e corroeu o poder de compra. Ora a democracia é um regime que convive melhor com a abundância do que com a escassez. É difícil explicar a um povo que o poder lhe pertence e pedir-lhe votos, quando ele passa fome. O pão alimenta a democracia, mas a democracia, só por si, não dá o pão.

Nas últimas décadas, o Egipto produzia e exportava petróleo, mas as exportações tendem a desaparecer: em 1990, produzia 900 mil barris por dia, dos quais metade destinava-se ao consumo interno, e a outra metade era exportada. Mas, entretanto, a produção declinou e o consumo aumentou. Atualmente produz 700 mil barris por dia, que já são escassos para o consumo interno. De tal forma, que o Egito já é, desde 2011, importador petróleo, e o que era uma receita é agora uma despesa. A exploração e produção de gás representam uma das áreas promissoras da economia. A expectativa é que essa promessa se mantenha, com base nos planos de investimento já aprovados, e justificadas por recentes descobertas de novas reservas de gás.

O problema alimentar, já referido, é outro grave problema de um país que já foi o celeiro do mundo mediterrânico , o "presente do Nilo" de que falava Heródoto, é hoje um país que enfrenta um futuro sombrio no que respeita à produção de alimentos. O Egito é um dos maiores importadores mundiais de cereais (trigo e milho). Segundo estatísticas do ministério egípcio do petróleo, este país importa 40% da sua alimentação e 60% do trigo que consome. Problemas climáticos a nível mundial, e a produção de bio-combustíveis, que estão na origem da atual escalada dos preços das matérias primas, só têm servido para agravar a situação.

No Egito, o turismo representa indiretamente 11% do PIB, mas a crise interna e a crise mundial, aliadas aos efeitos do elevado preço do petróleo nas transportadoras aéreas, estão a afetar o sector que emprega 3 milhões de pessoas. Fala-se que em receitas de turismo, e durante a presente crise, o país perde 300 milhões de dólares diários.Uma outra importante fonte de riqueza deriva das tarifas cobradas aos cerca de 15000 navios que, por ano, passam pelo canal de Suez. A eventualidade do encerramento desta estratégica via marítima constituiria um tragédia não só para o Egito mas para todo o mundo, e as consequências seriam um forte agravamento da crise económica global.

Aquilo que se está a passar no Egito, é um afloramento da gravidade da situação mundial. Não é apenas uma questão de regime político, e quem vier a seguir vai ter de enfrentar exactamente os mesmos problemas, ou até agravados. Porque esta é essencialmente uma questão que reflete os problemas e as contradições da globalização. As raízes do problema são muito complexas e a economia não as vai resolver, porque a economia gere os recursos mas não os cria, fala de população mas não a regula, exige insistentemente o crescimento mas não sabe como promovê-lo.

O Islão não se converterá ao nosso modelo, pelas razões que apontou Eduardo Lourenço, mas não só. Os problemas dos países árabes são o sintoma de uma doença mais profunda, e continuarão, por muito tempo, a ocupar o nosso dia-a-dia. E a Europa e o Mundo não podem alhear-se do drama egípcio, porque num mundo global, uma perturbação num só lugar afetará todo o planeta.



segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Informação


Na calma destas férias, retorno a Alfred Hitchcock, o meu realizador de culto, e revejo o filme  O homem que sabia demais, onde se conta a história de um médico americano em viagem por Marrocos, que, na posse de um segredo, vê o seu filho raptado e, ele próprio, corre risco de vida. Saber demais é ter informação que os outros não têm (informação privilegiada), e isso dá um grande poder (e uma grande responsabilidade!) a quem a possui.

A informação é um bem transacionável. Na minha vida profissional eu fui um produtor de informação e lidei de perto com este estranho produto cujas características  fui obrigado a estudar. Em primeiro lugar, aprendi a conhecer o valor da informação. Contrariamente a outros produtos é muito difícil estabelecer o preço da informação. Na verdade, ela não tem preço. Num momento pode valer tudo e no momento seguinte pode não valer nada. Por exemplo, a informação de que a cotação de uma ação na bolsa vai subir, só tem valor antes disso acontecer, depois disso não vale nada. O valor da informação está dependente da sua difusão: quanto mais circula menos valiosa se torna. Ora sendo a informação um bem muito dificil de produzir mas muito fácil e muito barato de reproduzir, é necessário ter com ela cuidados muito especiais, se não a queremos desvalorizar.

Por outro lado, a qualidade da informação é muito difícil de aferir. Como posso saber que uma informação é boa ou má, rigorosa ou defeituosa, falsa ou verdadeira?  Associa-se essa qualidade ao valor da  fonte que a origina ou que a produz. Por isso a imagem de uma fonte de informação é um bem muito valioso e que deve ser bem preservado. A imagem de uma empresa ou de uma entidade que divulga ou produz informação é o seu maior ativo. A essa imagem têm de estar associados o rigor, a independência e a transparência.

Aprendi também que a informação dinâmica, evolutiva e comparável  é mais valiosa do que a informação isolada e estática. É a diferença entre o filme e a fotografia. A informação evolutiva permite definir tendências, fazer previsões, estabelecer objetivos, avaliar performances. As bases ou bancos de dados são construídas e mantidas respeitando este pressuposto, e estão na origem de um próspero negócio suportado por potentes ferramentas informáticas de exploração desses dados e das relações entre eles (data mining).

O consumo de informação (tal como o consumo de drogas) é fortemente viciante. E  isto é válido tanto para quem a utiliza na sua vida profissional, como para o cidadão comum que a consome no seu dia a dia. Para quem toma decisões, lidera ou governa, a sua principal atividade consiste em gerir informações. E, sem informação, o gestor fica desorientado, sente-se inseguro, torna-se vulnerável. Por isso, a procura desesperadamente sempre que ela lhe falta.  O pacato cidadão que compra o Expresso, ao sábado de manhã, para preencher um vazio mental, sofre da mesma carência do fumador que necessita do cigarro matinal, ou do viciado em café que não pode passar sem a sua bica.  Esta adição está na base do sucesso de muitos jornais e revistas, programas de rádio e televisão.

A informação confere poder a quem a possui. Todo o processo que envolveu o americano Edward Snowden é ilustrativo da importância e do poder da informação. Neste caso estão em causa esquemas desenvolvidos pelo governo dos Estados Unidos que estão a criar enormes bases de dados para identificar comportamentos anómalos, visando melhorar a segurança dos cidadãos. Mas a complexidade destes instrumentos levanta delicadas questões éticas, e constitui um risco cuja vulnerabilidade foi exposta pelo jovem que os revelou ao mundo.

A informação sobre a opinião pública é um caso que me interessa particularmente. Os resultados de uma sondagem com informação sobre opinião dos cidadãos têm um forte efeito reflexivo sobre as opiniões desses mesmos cidadãos e podem alterar os seus comportamentos. Por isso existem organismos para controlar a realização de sondagens e a sua publicação. Mas existe ainda uma grande opacidade no sector e muita leviandade na análise e na divulgação dos resultados feita pelos jornalistas. 

No mundo em transição, a informação e o seu controlo vão ter um papel muito importante. Os meios digitais estão a alterar rapidamente a forma de produzir, divulgar e consumir informação. As consequências disso no nosso futuro ainda são mal conhecidas. Mas serão, seguramente, fortemente impactantes.

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Comunicar: do Gesto à Internet

O gesto, a fala e mais tarde a escrita, terão sido as primeiras formas de comunicação na sociedade dos humanos. Ao comunicar com os seus semelhantes, o homem exprime-se e partilha conhecimentos, experiências e emoções, ordena, comanda, enfim, relaciona-se socialmente e é capaz  de trabalhar em equipa.  Através do discurso, um indivíduo pode dirigir-se a um grupo de seus iguais: o público. O teatro, a música, o canto,  as narrativas orais, e outras formas de expressão artística, como a  pintura e a escultura, são formas primitivas de comunicação pública. Mais recentemente, o homem recorre  a outros meios para comunicar com os seus semelhantes, nomeadamente  a Imprensa, a Rádio, a Televisão e a Internet. São os meios de comunicação social.

A comunicação social moderna que utiliza os meios de massa, nasceu com Gutemberg e com a invenção da imprensa. O documento impresso, multiplicado em grande número é o primeiro mass medium capaz de veicular uma mensagem (rigorosamente a mesma mensagem!), simultaneamente  a um elevado número de pessoas: o público alvo. Meio alvo e mensagem são os três elementos básicos da comunicação de massas. A imprensa deu um grande impulso à globalização e teve um grande efeito social: permitiu imprimir a Bíblia mas também as bulas de Lutero que estiveram na base da cisão da Igreja de Roma.

Com o aparecimento da imprensa criaram-se as condições para difusão da ciência e da informação até essa altura  guardada em manuscritos, em papiro ou pergaminho, nas bibliotecas dos conventos. Nasceu a literatura, no sentido com que hoje a entendemos. A circulação dos livros e dos folhetos criou, por sua vez, a opinião pública. A nova forma de comunicar, facilitando a difusão de ideias nascentes, foi vista como perigosa, e a edição de obras impressas passa a ser censurada e controlada. No mundo ocidental, o poder das ideias era, no final do século XV, detido pela Igreja. E é a Igreja quem, em primeiro lugar, sente esse poder ameaçado. Processos como o de Lutero, de Galileu, e até a própria Inquisição são reações da Igreja ao alastrar incendiário de novas ideias difundidas pela imprensa ... A Renascença resulta desta nova capacidade de revisitar e difundir a filosofia e o pensamento clássico. O grande desenvolvimento da ciência, o iluminismo, os enciclopedistas são outras consequências da nova forma de comunicar...

O outro salto tecnológico que influenciou a comunicação, já no século XIX, foi a descoberta da eletricidade, do telégrafo e  das ondas hertzianas capazes de transportar, sem fios,  a distância, a voz humana (a rádio) e as  imagens (a televisão). Os dias da rádio difundiam  a informação, criaram opinião,  geraram movimentos sociais e políticos. Popularizaram a música e o teatro falado, criaram os artistas da rádio. A televisão mudou o mundo e, ao entrar nas nossas casas e participar no nosso quotidiano, alterou definitiva e irreversivelmente a nossa maneira de viver. A sociedade atual é a sociedade da televisão. Mas a Internet já está a alterar este paradigma.

A publicidade reforçou o poder e a influência dos meios de massas.  Na sociedade de consumo da era industrial a publicidade prospera e é utilizada para construir a imagem das marcas.  Esta é a época de ouro dos criativos como David Ogilvy, Bill Bernbach nos Estados Unidos, Jacques Séguéla e os irmãos Charles e Maurice Saatchi, respetivamente, em França e na Inglaterra. Constroem-se grandes empresas associadas a estes homens, verdadeiros artistas da criação de marcas.

A comunicação social integrou-se no sistema económico, e é hoje um próspero sector que emprega milhões de pessoas em todo o mundo. É um forte poder  regulador de outros poderes: o económico,  politico e judicial. Influencia-os e é influenciada por eles. É, pois, importante olhar com mais atenção para este sector para perceber o seu papel  no mundo em transição. É o que tentarei fazer a seguir.