segunda-feira, 21 de julho de 2014

O Caso BES

"Todo o mundo é composto de mudança, 
tomando sempre novas qualidades"
Luís de Camões


Aquilo que está a passar-se no Grupo Espírito Santo só pode ser entendido como uma consequência tardia da crise que, desde 2008, está a abalar a economia mundial. Naquele ano, por razões várias, começou a verificar-se uma desaceleração do crescimento económico que se repercutiu em primeiro lugar no sistema financeiro e no lugar onde ele, principalmente, está sediado: os Estados Unidos. Os ajustamentos subsequentes obrigaram a reduzir o crédito à economia e a eliminar os excedentes financeiros criados artificialmente, cuja existência, tal como na pirâmide de Ponzi, só é permitida pelo roulement do crescimento.

Um grupo como o GES tinha tudo para sofrer o impacto da crise, e, para mim, só é de espantar o tempo que isso demorou a acontecer. Em países como Portugal, sem recursos naturais, a economia funcionava movida pelos drivers da construção civil e do turismo. O GES estava no coração do processo. Tinha ligações ao governo, financiava as obras públicas que sustentavam o emprego e promoviam o crescimento. Quando se tornou claro que este não era o caminho a seguir - e isso não foi logo evidente para os governantes - os grupos de cariz financeiro entraram em sofrimento. A atração de espaços com forte liquidez, injetada pelos recursos energéticos - nomeadamente os casos de Angola e do Brasil -, surgia como uma via salvadora. Mas também estes países enfrentam problemas de natureza social, e o desenvolvimento dos seus recursos desacelerou. Os ativos não financeiros do Grupo nada produzem e, para além de serviços nas áreas da saúde e do turismo, têm mais caráter especulativo do que valor produtivo intrínseco.

O Grupo teve ainda a seu favor o facto de dispor de um banco que, favorecido pela multiplicação dos depósitos captados aos clientes - uma vantagem arriscada que, como se viu, não era possível manter indefinidamente - podia ser utilizado como fabrica de dinheiro e fonte de crédito. A gestão familiar, que numa primeira fase cria resiliência, torna-se fonte de conflitos quando os elementos familiares - que sucessivas gerações vão multiplicando - se tornam ávidos dos dividendos que vão escasseando.

As ligações da Comunicação Social com o poder económico acabam também por ser relevadas como axiomas neste caso: vemos o principal colunista do Expresso (MST) emudecido sobre o assunto, ao que parece, preso em dependências familiares e incapaz de encontrar isenção - como lhe competia - para fazer uma fria análise do caso. E assistimos, na TVI, ao patético malabarismo de Marcelo, amigo de Ricardo, que, mais preocupado com a opinião de que com a verdade, se esforça em explicar e justificar o injustificável.

A grande lição a extrair deste caso prende-se com a evidência de que a política está submetida ao poder económico, e demonstra que a economia está dependente do crescimento, o qual, em ultima análise, está sujeito às leis da Física e às leis da Natureza que o limitam. Os estragos que o caso BES vai provocar em Portugal, na sua política e na sua economia, ainda estão por avaliar. Não deixa, contudo, de ser uma boa oportunidade para refletirmos sobre nós e sobre o nosso futuro comum.

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