segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Pensar o Futuro

Noutros tempos, a rentrée marcava o início das aulas, a abertura da caça e assinalava a chegada da temporada dos espetáculos teatrais e musicais. Agora, está dominada pelas conferências e pelos debates. Depois de, na semana passada, se ter falado de Liberdade no CCB, a Fundação Gulbenkian vai por estes dias promover um debate sobre o tema - Pensar o Futuro de Portugal. Os promotores da iniciativa pretendem que se debatam as políticas para o futuro do nosso país, por constatarem que esse debate e essas políticas têm estado ausentes da governação e da discussão. No clima de desorientação estratégica em que nos encontramos, e em vésperas da apresentação do orçamento para 2015, convenhamos que a iniciativa é oportuna e louvável.

Na Gulbenkian vão estar a apresentar os tópicos quinze personalidades, quase todas ligadas ao mundo académico. Auxiliados por um vídeo promocional, em que cada um dos palestrantes surge a apresentar resumidamente qual o tema da sua intervenção, ficamos com uma ideia antecipada do que ali se vai dizer. É importante debater o futuro de Portugal, mas falta neste debate, na minha opinião, um enquadramento mais amplo que ajude a contextualizar o tema. No tempo da Globalização já não se pode falar do futuro de um país ou de uma região como se ele fosse uma coisa isolada. Não é possível pensar o futuro de Portugal, nem fazer propostas sobre políticas a adotar, sem ter em conta o futuro do mundo ou sem equacionar os caminhos da Europa.

Neste caso, seria útil ao debate mostrar ou antever o pano de fundo onde se jogará o futuro de Portugal. Para esse efeito, poderia recorrer-se ao trabalho já feito por outros e assumir os pressupostos fundamentais que hoje são aceites de forma amplamente consensual. Falo, por exemplo, da escassez de recursos - especialmente energéticos, hídricos e alimentares -, das alterações climáticas, da poluição e do problema demográfico. Mesmo que o livro de Al Gore, O Futuro, pelo seu pendor - orientado para os mass media - não agrade a muitos académicos, depois de expurgado de algum conteúdo mais sensacionalista e especulativo, poderia servir de base de trabalho e cumprir a função referida.

Na antevisão das conferências perpassa a trivialidade dos temas ou o déjà vu - numa conferência destas valerá a pena perder tempo com mais propostas de revisões eleitorais?! -,insiste-se na via do crescimento, na inovação sem precisar o sentido, faltam claramente ideias criativas e propostas ousadas de rutura. Estão ausentes da discussão alguns dos temas mais fraturantes da sociedade portuguesa, temas que têm a ver, por exemplo, com a educação (educar para quê?), com a agricultura - a que está associada a delicada questão da terra -, com a energia, com a demografia, com a imigração, com a Europa e com a soberania.

Prever, adivinhar ou antever o futuro era dom dos demiurgos através dos quais se manifestavam as divindades. Mas o futuro já não pertence a Deus. A ciência e o determinismo já explicam muita coisa e sabemos hoje, pela imprevisível complexidade da matéria, que o futuro também se joga entre a harmonia da ordem e a atração do caos. Mas muito do que irá ser o futuro - para nosso bem e para nosso mal - está nas mãos dos homens. E seria bom que a tarefa de fazer as opções sobre os caminhos a seguir fosse entregue aos melhores e aos mais esclarecidos.


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