segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Homo Sapiens Digitalis

Uma notícia recente sobre o volume de mensagens de correio eletrónico, que circulam na Internet, despertou a minha atenção. No essencial, dizia que a primeira mensagem de correio eletrónico foi enviada há 45 anos e que, na atualidade, em média, são enviados 100 milhões de emails em cada minuto. Considerando os múltiplos destinatários imagino que serão recebidas muitos mais. A referida noticia acrescentava ainda que, só em 2012, foram criadas 3,3 mil milhões de novas contas de email, e apenas um terço delas por motivos profissionais. No entanto, apenas 14% das mensagens recebidas são consideradas importantes. Em determinadas profissões, o tempo de trabalho dedicado ao email chega a representar 28% por cento do total.

 A magnitude destes números não espantará muitos de nós, conscientes como estamos de quão dependente está a nossa vida diária do computador e da Internet. Mas importa refletir sobre o seu significado e a revolução digital que lhe está subjacente, da qual eles apenas representam uma pequena parte. A verdadeira explosão na utilização do correio eletrónico ocorreu nos últimos 20 anos, com o crescimento exponencial do acesso à Internet e da difusão dos dispositivos digitais - computadores, notebooks, ipads, e smartphones. A humanidade está ligada por uma rede gigantesca que, aos poucos, está a transformar a nossa maneira de viver: o comércio, o entretenimento, a informação, a cultura, a comunicação, a literatura e a publicidade. Mais recentemente, as redes sociais começaram a apropriar-se do convívio entre as pessoas; a contestação social achou eco na rede: os indignados encontram-se na net e planeiam aí as suas manifestações.

Os jovens já não dispensam a Internet. Um estudo recente do ISPA (Instituto Superior de Psicologia Aplicada), feito junto de adolescentes entre os 14 e os 25 anos, mostra que três quartos da população desse grupo apresenta sinais de dependência da internet. E conclui que 13% dos casos estudados são graves: caracterizam-se por isolamento, comportamentos violentos, e inclusive, podem obrigar a tratamento. Ora, o uso da Internet começa cada vez mais cedo, mesmo na mais tenra idade. Quando um bebé carrega furiosamente com o dedo nas páginas ilustradas de um livro para tentar interagir com as imagens, como se se tratasse de imagens no ecrã de um ipad, isso revela que esse comportamento já faz parte da uma aprendizagem muito profunda e sugere a aquisição de uma capacidade que começa a incorporar-se nos genes da espécie humana.

Estamos efetivamente perante algo que foi adquirido, que passou a fazer parte de um processo evolutivo no sentido que lhe deu Charles Darwin. Trata-se de uma nova etapa na linha da evolução, que começou com a linguagem, com a escrita e a imprensa. Estes saltos estão associados a um aumento da complexidade. Com a escrita, à nova capacidade associaram-se ferramentas: o estilete, a argila mole, a tinta e o papiro. Com a internet a complexidade exige uma base tecnológica e energética - falo dos suportes, da eletricidade e das ondas hetzianas que transportam os sinais digitais -, a que corresponde uma grande vulnerabilidade e um elevado risco de colapso.

Ora quando, como resultado do processo evolutivo, uma espécie adquire uma nova capacidade, já não existe caminho de retrocesso, isto é, a natureza não aceita a desevolução. E se a ferramenta ou transformação morfológica associada à nova capacidade deixar de ser útil, o caminho pode ser o da extinção da espécie. Então, tal como acontece num formigueiro com a capacidade de comunicação e orientação das formigas, a capacidade digital do homem, sendo essencial, já não depende da habilidade individual, mas passou a ser um atributo da espécie como entidade social.

Em conclusão: nos últimos 20 anos a espécie humana entrou num caminho evolutivo irreversível. Por isso, já não é admissível um blackout digital, embora não seja desprezível o risco de isso acontecer. Pode resultar de quebra prolongada da rede eléctrica, de um vírus altamente eficaz, de uma interferência nas infraestruturas que suportam a rede ou até de uma tempestade solar. Um apagão digital interferiria seriamente nas nossas vidas: seria o caos nas transações financeiras, na cobrança de impostos, nos pagamentos, nas comunicações, na logística das redes de abastecimentos, na saúde, na educação, na justiça, etc. É bom irmos tomando consciência dos riscos associados às malhas que vamos tecendo.

1 comentário:

  1. Por causa de andanças várias por onde a rede falha, ainda não tinha lido este texto.
    É pena, mas é melhor tarde que nunca.
    Chapeau!

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