segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Hasta Siempre Cuba

A revolução cubana faz parte do imaginário de muita gente da minha geração que viveu, na sua juventude, o tempo do maio de 68. O grupo de revolucionários que desembarcaram no Granma e, após três anos de luta de guerrilha, derrubaram o regime de Fulgêncio Batista, entre os quais Fidel de Castro e Che Guevara, eram heróis que despertavam sonhos de revolta, e  que eram celebrados nos posters afixados nas paredes dos nossos quartos de estudantes e nas canções revolucionárias dos convívios universitários. Tive um amigo que, na generosidade dos 20 anos e inspirado nos heróis da Sierra Maestra, planeava formar um grupo revolucionário na Serra da Arrábida para, a partir daí, derrubar o ditador Salazar.

Com o andar dos anos, Cuba foi perdendo muito do seu encanto e da sua magia. Fidel envelhecia; todos nós envelhecíamos! Em 1967, o Che era assassinado na Bolívia, esboçavam-se conflitos internos na luta pelo poder. Os meus amigos que visitavam Cuba traziam-me a imagem de uma espécie de Aldeia de Asterix encravada na Gália romana, sempre invencível e resistindo sempre. Descreviam-me uma sociedade carenciada mas feliz, com carros muito velhos circulando nas estradas, como se o tempo tivesse parado naquela ilha. Falavam-me de gente simples, alegre, culta e hospitaleira. E acrescentavam que os cubanos dispunham de um sistema de saúde gratuito e universal.

Foi notável a resistência de Cuba nos 56 anos que decorreram desde a tomada do poder pelos revolucionários na Sierra Maestra no dia 1 de janeiro de 1959.  Cuba foi, durante décadas, o espinho cravado nas barbas da poderosa América. A pequena república superou a invasão, ultrapassou a crise dos mísseis e Fidel sobreviveu milagrosamente a dezenas de tentativas de assassinato. Resistiu ao embargo económico e ao isolamento imposto pelos americanos. A lendária figura de Che Guevara inspirou movimentos de guerrilha em todo o mundo. A ousada intervenção cubana em Angola foi um desafio direto ao poder do Ocidente.

Cuba e os Estados Unidos anunciaram agora que vão desanuviar a tensão existente e reatar as suas relações diplomáticas. Com efeito, começava a tornar-se evidente que Cuba não podia continuar no isolamento provocado pelo fim da guerra fria. A crise financeira mundial, a morte de Hugo Chavez, a crise económica da Rússia e a abertura ao mundo através da janela da Internet, foram os golpes finais num regime isolado, desgastado e sem recursos. E contudo, não deixa de ser espantoso como este pequeno país resistiu durante tantos anos após o colapso da União Soviética.

Com este desfecho termina, no seu último reduto, o socialismo romântico. Cuba encher-se-á em breve de novos carros circulando em modernas auto-estradas, ladeadas de anúncios de Cocacola e MacDonalds. Irá integrar-se paulatinamente na economia global - insensível e predadora -, voltará a encher-se de ressorts, receberá os grandes navios de cruzeiro que, a partir de Miami, levarão milhares de americanos às Caraíbas. Voltará a ser o casino da América.

O fim de Cuba socialista vai ser bom para muitos cubanos; mas vai ser mau para muitos mais.  Com as suas insuficiências, com a sua determinação, com o seu engenho em as superar, Cuba foi um exemplo de como pode sobreviver-se com meios escassos e se podem atingir indicadores elevados na educação e na cultura. De alguma forma, este regime era uma esperança para os que acreditam que é possível uma economia alternativa. Mas ninguém poderia exigir egoisticamente que Cuba fosse o único guardião dessa esperança e pagasse sozinha o elevado preço de a conservar. Ficamos com o seu exemplo e uma grande dívida para com o povo cubano.

 Fidel, o herói de Moncada, velho, doente e retirado, já foi há muito absolvido pela História. Em artigos que, de vez em quando, publica no Granma, o jornal oficial do regime, revela ainda uma grande lucidez e neles tem alertado contra os caminhos perigosos do mundo global, no que respeita aos riscos ambientais e à escassez de recursos. Mesmo nesta rendição inevitável, Cuba manteve uma postura digna e não se ajoelhou perante a América. Hasta siempre Cuba! 


1 comentário:

  1. Uma excelente evocação que me permito partilhar com o autor que, num breve texto, disse quase tudo. Muito bem LQ!

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