Pensar portugal
Olhando para o mundo que nos rodeia, vemos um mundo cada vez mais global – suportado
por uma economia exigindo um crescimento contínuo e exponencial. Por outro
lado, vemos um planeta finito, esgotado e poluído, que impõe limites ao
crescimento. A necessidade de conciliar estes duas realidades é o maior desafio
que, num futuro próximo, se colocará à Humanidade...A economia de mercado está
suportada por um sistema financeiro que vive do crédito, ou seja, que é
alimentada pela expectativa de criação de riqueza no futuro. O crescimento, por
permitir pagar as dívidas, é condição necessária à própria existência da
economia de mercado. Sem crescimento, ou com um crescimento reduzido, a dívida
deixa de poder ser paga, e o sistema entra em colapso. Vimos acontecer isso em
2008.
A resposta natural da economia de mercado para manter o crescimento é dada pelo
reforço da globalização. Acessoriamente, pelo aumento da eficiência na
utilização dos recursos, e pela ilusão de que tecnologia pode resolver todos os
problemas... Ora, a prazo, a economia ficará sem respostas para manter o
crescimento. A globalização tem os seus males: uniformiza gostos, impõe
produtos transgénicos, tende a eliminar a biodiversidade, destrói o pequeno
comércio e a pequena indústria. O aumento da eficiência vai confrontar-se com o
paradoxo de Jevons que postula que o aumento da eficiência no consumo de
um recurso acaba por aumentar o consumo desse mesmo recurso. E a
ilusão
tecnológica – chamo-lhe ilusão porque a tecnologia, tal como os catalisadores
na química, não influencia o resultado final, só acelera o processo – aumenta a
complexidade dos sistemas, torna-se mais cara de manter, e, mais tarde ou mais cedo, acaba por ter retornos
nulos ou negativos. Além disso, o acréscimo de complexidade tem a agravante de
aumentar a probabilidade de ocorrência de
cisnes negros, acontecimentos
com fraca probabilidade de ocorrência mas de grande impacto (Nassim Taleb).
Pensar a Europa e Portugal na Europa
As mudanças estruturais da economia portuguesa provocadas pela nossa entrada na
Europa são irreversíveis. A agricultura tradicional foi reduzida ao mínimo – há
quem ache que com sucesso – para se ajustar aos princípios da Política Agrícola
Comum (PAC); o tecido industrial praticamente desapareceu pela lógica do
mercado aberto e pela abolição do protecionismo; os barcos pesqueiros foram
abatidos. Portugal foi transformado num país de eucaliptos e de turismo.
Sobreviveram os serviços que não exigem grandes investimentos e um frágil
cluster
tecnológico, reconhecido além fronteiras, a demonstrar a qualidade da nossa
massa cinzenta e a nossa criatividade. Qualquer reflexão tem de levar em conta
esta realidade.
Foi a Europa que desenhou este país tal como ele é hoje, e isto foi feito no
interesse e na lógica da Europa. Por isso, Portugal não pode ser, agora,
abandonado à sua sorte. E parece que está a ser. Portugal, na Europa, não pode
nem deve ser um parceiro menor. Apesar da sua dimensão económica, ele é uma
peça do
puzzle que é este espaço com o qual partilha uma moeda e uma
estratégia. Para ter voz, Portugal necessita de ter a autoridade que vem do
rigor, da disciplina e do trabalho. A Europa, enquanto espaço económico
integrado, não pode falhar. Se a Europa falhar, nós falharemos também.
Mas a Europa não tem gente, não tem indústria não tem energia. Tem a cultura, mas de que lhe vale a cultura? O simples custo de a preservar pode ser demasiado elevado. Tem um serviço social sem paralelo no mundo, mas que, sabe, não poderá manter. Está empenhada em reduzir a poluição, em aumentar a eficiência energética, e aposta nas energias renováveis. Mas nesta cruzada, a Europa faz o papel do
cavaleiro da triste figura, esgrimindo com lanças contra moinhos de vento, quando a Coreia do Norte aponta armas nucleares ao Ocidente, e a China polui em quatro meses o que a Europa, esforçadamente, deixa de poluir em 10 anos! Mas o maior perigo para a Europa são as hostes de famélicos que se perfilam e espreitam nas suas fronteiras preparados para abocanhar a presa, ou o que dela restar, ao mais pequeno descuido.
A Europa já não lidera o Mundo, mas quem o lidera? A América, afogada nas sua responsabilidades de guardião da ordem global, que tem de manter um exército longe do seu território, e faz lembrar o decadente Império Romano dos séculos e III e IV? A China que carrega o peso de uma civilização milenar, e tem de gerir as contradições entre a sua cultura e o modelo económico que o Ocidente lhe impôs? A Rússia que perdeu o seu tempo e o seu espaço, e que hesita entre aliar-se à China ou à Europa? Todos estes protagonistas sabem que a resposta ainda não é definitiva, mas todos eles pressentem que o futuro do mundo se joga no Médio Oriente, no eixo que vai de Israel ao Paquistão.
Pensar Portugal
Na nossa vida pessoal, mas também na existência coletiva dos povos, é sempre
bom, de vez em quando, parar por um momento para olhar à nossa volta e refletir
sobre o caminho que trilhamos. E, se necessário, arrepiar esse caminho e
escolher outro. Em Portugal, entendo eu, estamos agora a sentir essa
necessidade. É um tempo propício para avaliar o presente, pensar o futuro e
colocar interrogações. Como é que chegámos a esta crise? Como é que vamos sair
dela? Poderemos ir mais longe, e questionar a nossa identidade, o nosso lugar
no Mundo e o nosso destino coletivo. A verdade é que Portugal não está bem.
Vamos, pois, olhar para este país como se de um “doente” se tratasse, fazer o
diagnóstico, arriscar o prognóstico e receitar o tratamento. Depois escolher o
caminho da cura, e enfrentar com ânimo, e sem vacilar, a tarefa de o percorrer.
O diagnóstico
Como referi no ponto inicial, esta crise mundial é, na minha opinião, a
consequência da incapacidade de sustentar, de forma continuada, a taxa de
crescimento que o atual modelo económico mundial exige para se manter. A
globalização, que é um produto do capitalismo global inspirado nas doutrinas de
liberalismo económico, criou o enquadramento organizativo que se impôs no pós
guerra, e vigorou nos últimos 65 anos. Até aqui funcionou bem, pois permitiu um
crescimento elevado do PIB mundial, destronou as experiências das economias
“socialistas”, centralizadas e planeadas, permitiu inúmeras façanhas
tecnológicas e descobertas científicas admiráveis. Foi a causa do forte acréscimo
da população mundial, proporcionou a uma grande parte dessa população elevados
níveis de conforto e bem-estar, permitiu construir e consolidar o “Estado
Social e Democrático” que conhecemos e apreciamos na Europa.
A globalização, ao favorecer esse crescimento exponencial da população e da
produção, criou uma enorme pressão de procura sobre os recursos naturais: terra
arável, água potável, matérias-primas, produtos alimentares e energéticos. Mas,
porque esses recursos são finitos, a partir dos anos 90, o mundo começou a
pressentir a sua escassez, e a economia passou a confrontar-se com essa
realidade. Fatores como o despertar da China e da Índia, com uma grande avidez
de matérias-primas para suportar o seu acelerado crescimento, só serviram para
aumentar essa pressão de procura e evidenciar o risco de ruturas no
abastecimento. Ora, de todos os recursos em risco de escassez, o petróleo é o
mais sensível pelos efeitos diretos que produz na economia e, por não existir
alternativa que o substitua, nomeadamente na mobilidade.
Associadas a este quadro de escassez de recursos, não podemos ignorar as
alterações climáticas provocadas pelo Homem, as suas previsíveis e alarmantes
consequências, mas que são desvalorizadas ou consideradas como um problema de
menos importância pelos agentes económicos. Todavia, os seus efeitos são
percebidos como sendo longínquos e difusos, ao contrário da crise financeira,
que sendo o sintoma e não a doença, está muito mais próxima de nós e afeta as
decisões económicas do nosso dia-a-dia. Crise financeira que é tão valorizada
face à míngua do crédito, que chega a ser considerada a causa da atual recessão
económica e não uma sua consequência.
O prognóstico
Embora estejamos, no que à crise diz respeito, perante uma pandemia, e não
sendo Portugal um caso isolado, é sobre o nosso país que incide este
prognóstico. É que a perspetiva de evolução futura do nosso país é muito
sombria.
Apesar da ilusão de abundância que o conjuntural baixo preço do petróleo
provoca, não tenhamos ilusões: a energia abundante e barata está a chegar ao
fim, e embora as soluções energéticas alternativas sejam boas, são caras e
insuficientes. O aumento da eficiência energética leva apenas a um maior
consumo global da energia. A retoma é uma ilusão, e o buraco da dívida
afunda-se com mais dívida. O
“deficit” das contas públicas vai custar
muito a reduzir, a divida vai crescer, e com ela as dificuldades de a pagar.
As obras públicas e o investimento público e privado vão afrouxar. O consumo
vai reduzir-se e, com isso, os serviços que o suportam, tais como a grande
distribuição, a publicidade e o marketing. O turismo flutuará ao sabor da
conjuntura, mas, tendencialmente, irá contrair-se; o desemprego no sector, que
é fortemente empregador, vai aumentar. A mobilidade vai reduzir-se, os
combustíveis, a prazo, vão aumentar de preço e o automóvel vai ficar mais
difícil de manter. E mais grave que tudo isso, o Estado Social, que foi criado
pela prosperidade do pós-guerra, não poderá manter-se nos moldes atuais.
Começa a generalizar-se a crença de que alguém há-de vir para nos salvar! A
consciência da gravidade da situação, sem solução à vista, ameaça conduzir-nos
ao desespero. Portugal está mais pobre, sem estratégia, e muitos perguntam: o
que fazer?
A receita
“Para grandes males, grandes remédios”, diz o ditado popular, e que se aplica
ao nosso caso. Em primeiro lugar, aconselharia os governantes a falar verdade
aos portugueses. Ao falar verdade, as pessoas começam a preparar-se para o pior
e aceitam melhor a adversidade. Explicar o que está mal, e por que está mal.
Explicitar a nossa dependência alimentar e energética, explicar o pico do
petróleo, a insustentabilidade do Estado Social.
Como tratamento de continuidade, receitaria o ELP, sigla de Economizar,
Localizar, Produzir. Com esta receita, bem aplicada, vamos voltar a cultivar os
nossos campos, a reativar a pequena indústria e comércio local, a diminuir a
nossa dependência do exterior, e com isso reganhar a independência que estamos
a perder. Claro que tem de existir a clarividência necessária para contrariar a
desertificação do nosso interior rural, o que exige medidas ousadas sobre o
regime da propriedade da terra. Na verdade, o problema do envelhecimento e da não reposição da nossa população ativa é o mais grave que enfrentamos.
Mas acima de tudo há que mudar a atitude das pessoas. Temos de ser mais
exigentes com nós próprios. Os portugueses precisam de trabalhar mais e melhor,
com mais empenhamento, mais rigor e menos corrupção. Reduzir as gorduras da
administração central e local, desconfiar dos subsídios fáceis, orientar a
educação para o rigor, mas também para a cidadania. Optar por uma alimentação
mais saudável, mais amiga do ambiente, que produza corpos mais sãos e menos
obesos– como eu já ouvi alguém dizer, temos de satisfazer o estômago e não a boca. Reduzir fortemente a mobilidade, abandonar a cultura do automóvel
particular e da televisão alienante. Desenvolver o orgulho de ser português e
de pertença à Comunidade.
Insisto na prioridade da educação: quando a globalização tiver esgotado o
espaço de crescimento, quando os recursos tiverem de ser racionados e forem
impostos limites às emissões poluentes, vai ser necessário mudar a educação
pois a que temos hoje - desenhada com outros pressupostos - de pouco
nos servirá. Vamos precisar de mais cidadania e de menos matemática; vamos ter
de voltar a utilizar mais as mãos e de aprender a reciclar; vamos ter de
redescobrir a medicina antiga, baseada em produtos naturais; vamos ter de
aprender que a verdade nem sempre é aquilo que a televisão nos diz. Acima de
tudo, vamos ter de atribuir à educação o seu papel essencial de
ensinar
a descobrir.