segunda-feira, 16 de março de 2015

Lampreia

Os olhos da educadora Manuela - para os meninos e para os amigos, a Nélinha- brilham quando conta a história que a levou a embarcar com os seus meninos, no rio Minho, numa tarde fria de Fevereiro, para pescar lampreias. Foram quatro os ciclóstomos capturados: - Sim, não são peixes, repisa ela, com ares de quem sabe daquilo de que está a falar.

Afinal a Vitória, uma menina de 5 anos, filha de um pescador do rio, foi a responsável desta aventura ao ter sugerido que aquilo que lhe interessava mesmo era estudar a lampreia, quando a educadora perguntou na sala de aula qual a coisa nova que gostariam de aprender este ano. A Vitória até já sabia que as lampreias nasciam no rio Minho e viajavam até ao Canadá montadas nas costas de outros peixes. A educadora sorriu com um disfarçado desconforto mental, ela que até nem gostava de lampreia. Mas a proposta da Vitória acabou por ser a escolhida para o projeto Rato de Biblioteca da Fundação Vox Populi, que no presente ano letivo propôs às escolas investigar sobre a origem das coisas.

Na Escola EB1 de Caminha, durante o presente ano letivo, os alunos da pré primária das educadoras Manuela e Maria José estão a estudar a lampreia. E é tal o entusiasmo que já contagiou as famílias dos alunos, a escola e a comunidade. O primeiro envolvido foi o Comandante da Capitania do Porto de Caminha - o capitão-tenente Rodrigo Gonzalez dos Paços – que veio à Escola explicar, entre muitas outras coisas, as regras das pescas e esclarecer que só se pode pescar a lampreia durante quatro meses no ano.

 Ao descobrirem que ali perto havia um especialista do assunto, o biólogo Carlos Antunes, fundador e responsável pelo Aquamuseu do Rio Minho em Vila Nova de Cerveira, trataram as educadoras de o trazer à Escola para falar com os meninos. Que grande satisfação e orgulho sentiram quando o biólogo lhes disse que o rio Minho era um rio especial que faz fronteira entre dois países. E qual não foi o espanto, quando acrescentou que ele põe um chip em algumas lampreias para se poder ficar a saber onde elas se encontram quando vão para o mar - o que levou o Gonçalo a perguntar se aquilo era um telemóvel para elas telefonarem a dizer onde estavam!

Quando o Presidente da Câmara de Caminha foi convidado a vir à escola, não esperava certamente receber uma lição de meninos tão pequenos, que lhe explicaram, timtim por tintim, que a lampreia não era um peixe, mas sim um ciclóstomo, que tem sete orifícios branquiais, que põe os ovos debaixo das pedras lá para cima de Melgaço, que demora alguns anos até se tornar adulta, e que aquela boca redonda serve para sugar o sangue de outros peixes aos quais elas se fixam - moderadamente para não matar quem as alimenta. Explicaram quando e onde se pesca, e até esclareceram que as lampreias já existiam na terra antes dos dinossauros.

Quando, no dia 13 de março - dia de greve da função pública -, chegámos à escola de Caminha a mesa já estava posta. O cheiro inconfundível do arroz de lampreia rescendia da cozinha da escola onde as mães das crianças e as auxiliares a tinham escalado e preparado com carinho, esmero e competência. Estavam lá todos: o Comandante do Porto de Caminha, o Presidente da Câmara, o Presidente da Junta, a Diretora da escola, vários professores e, claro, as crianças. Nós, Eu e a Paula, éramos os senhores da Fundação Vox Populi que os tinham conduzido a esta aventura. Houve tempo de conviver, de partilhar a alegria que transbordava, de saborear a iguaria acompanhada do vinho verde tinto e de provar alguns doces típicos de Caminha.

Falando na hora do café, a Diretora da Escola confessou que, no início, tinha encarado este projeto com alguma reserva, mas que agora estava completamente rendida, aproveitando para realçar e destacar o trabalho das educadoras. Rematou dizendo que, nos tempos que correm com tantas fontes de informação à disposição dos alunos, o mais importante na missão dos professores e educadores é ensinar a descobrir.

Estes meninos nunca mais esquecerão as lições deste jardim de infância, e - mais importante que tudo - aprenderam quais os caminhos que levam à descoberta que lhes será útil pela vida fora. Quando deixámos Caminha para trás, em direção a Ponte Lima, levávamos connosco a grande alegria de ter contribuído para ajudar a preparar o futuro dos jovens deste país.

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