segunda-feira, 27 de abril de 2015

As Opções, segundo Teodora

Teodora Cardoso, exprimindo-se em bom economês, esteve há dias no Grémio Literário, onde interveio no ciclo "Que moeda, que soberania, que futuro?", organizado pelo Grémio em parceria com o Clube Português de Imprensa e o Centro Nacional de Cultura. Para a conceituada economista - cujo pensamento procurarei reproduzir neste texto - foi a entrada na UE, em 1986, que, permitindo um fácil endividamento externo, alterou a estrutura da nossa economia. De tal forma que, no respeitante à dimensão da dívida, não pode comparar-se a situação atual com a que foi vivida na crise de 83/84, onde a quebra dos salários reais até foi superior à verificada na situação presente.

O acesso a novas fontes de financiamento externo barato, a estabilidade monetária e cambial trazida pela moeda única condicionaram as opções políticas. Apostou-se no crescimento a curto prazo impulsionado pela construção, pelo comércio e pelos serviços. Daí resultou, no final das décadas de 80 e 90, um impulso da atividade económica e do consumo, em paralelo com um forte desenvolvimento do sector financeiro. Tudo financiado pela dívida. Supriram-se carências, foram construídas infraestruturas e investiu-se no capital humano, e isso é hoje o nosso principal ativo. Mas, na indústria e nos serviços qualificados, a produtividade estagnou.

Alterou-se também a situação anterior, caraterizada pela existência de mão de obra barata, que no contexto europeu nos poderia ter trazido algumas vantagens. Entretanto, a nível global ocorriam mudanças que nos apanharam distraídos (!), e vieram alterar essa situação: a implosão da União Soviética, a subsequente adesão de novos países à EU, o desenvolvimento acelerado dos mercados asiáticos que, com milhões de trabalhadores com salários mais baixos, ofereciam condições com as quais o nosso país não podia competir.

Das opções de curto prazo resultou uma enorme vulnerabilidade da economia que veio ao de cima com a eclosão da crise de 2008. Veio a troika, impuseram-se as medidas de austeridade. Mas, cuidado! - alerta a economista -, tudo isto é reversível, e esse é o maior risco que enfrentamos. A partir de agora o crescimento já não pode ser suportado pela dívida. A grande questão é, pois, a de saber como crescer. A palavra chave é produtividade: há que fazer uma reafetação dos recursos, mudar de vida, mudar de modelo. E, claro, pagar a dívida. Não pagar não é possível -veja-se o caso da Grécia - e reestruturar, como alguns defendem, já se está a fazer…

Temos algumas vantagens para enfrentar as mudanças necessárias: boas infraestruturas e capital humano. A Europa pode ajudar, mas é necessário maior coordenação de políticas económicas. Decisão que passa pelo reforço do federalismo e remete para a delicada questão da soberania. A nível interno torna-se necessário reforçar a capacidade reguladora da economia, o que exige quadros qualificados.

Teodora Cardoso concluiu a sua exposição dizendo que chegou a altura das opções e que não é possível regressar ao modelo anterior. Precisamos de um Estado mais forte, mais eficiente e capaz de pagar melhor aos seus quadros. Debate que está ainda por fazer.

Ouvi, com interesse e atenção, as recomendações de quem sabe do que fala, mas ainda não consegui perceber os contornos do novo modelo de que fala Teodora Cardoso. Suspeito que, mais do que um novo modelo, precisamos de uma nova economia que, antes de tudo, questione o dogma do imperativo do crescimento.


terça-feira, 21 de abril de 2015

Encontro de Gerações

A minha envolvência com os programas Nepso e Rato de Biblioteca da Fundação Vox Populi, dirigidos às escolas, aproximou-me dos jovens alunos e de jovens professores. Isso tem sido uma coisa boa, pois aprendo com eles, ao mesmo tempo que me vou dando conta dos seus problemas, das suas angústias e das suas inseguranças. Os jovens são a única esperança duma Europa envelhecida, decadente e desorientada. E, muito em particular, do nosso país, onde esses fatores estão bem presentes. Nestes contactos apercebo-me que está a erguer- se um muro no caminho da vida destes jovens, e que a desorientação se apodera deles. Não se lhes traçou um rumo, faltam crenças e valores, existe um vazio espiritual, que o espaço aberto pelas redes sociais colmata em parte - não sei se para bem se para mal! -, mas não consegue preencher.

A geração dos mais velhos, que cresceu no pós guerra e viveu a euforia da era da urbanização e da alegre motorização, acreditou que o festim do crescimento continuaria indefinidamente. Como consequência dessa crença, os filhos e os netos desta geração foram preparados - pela família, pela sociedade e pela escola – para o que se acreditava ser um mundo consumista, pleno de oportunidades, facilidades e empregos. Mas com o aproximar do fim da idade da abundância - de que a crise iniciada em 2008 foi apenas o primeiro sinal - está a agudizar-se a dissonância e a aumentar o gap entre a geração dos mais velhos e dos mais jovens.

Estamos a dar-nos conta que os jovens não têm empregos nem perspectivas de o conseguirem, não encontram caminhos, desesperam, olham para o exterior e procuram emigrar. Quando o conseguem, deixam atrás de si uma terra abandonada, com menos esperança e com o seu futuro ainda mais comprometido. Já ninguém fala de patriotismo, desvanecem-se as tradições, diluiu-se a cultura, despreza-se a religião. Estamos, tranquilamente, à espera que alguém venha ocupar o território desertificado...

Até meados do século passado, na Europa de economia predominantemente rural, os filhos eram um ativo. Nas famílias numerosas a solidariedade intergerações protegia os mais velhos e os mais necessitados. Com o advento do Estado Social, os filhos continuam a ser um ativo sentimental, mas passaram a ser um passivo económico. Já não contam para amenizar a velhice e, antes pelo contrário, esperam dos pais o apoio que a sociedade lhes começa a negar. E muitos já começam a descrer da família como aspiração e projeto de vida.

Neste contexto, a questão do envelhecimento - ou se quiserem do decréscimo da natalidade - preocupa os governantes. Estamos agarrados a velhas crenças, acreditamos que tudo voltará a ser como dantes. Existe até a ilusão de que poderá haver uma inversão natural da tendência da quebra da natalidade. Ora isso nunca poderá acontecer de forma espontânea, pois a sociedade está a sofrer de uma grave doença degenerativa, de difícil tratamento e prognóstico pouco favorável. Meter a cabeça na areia não vai resolver o problema.

Vivemos numa encruzilhada da Civilização. O crescimento devorou recursos, aumentou a poluição e acentuou os desequilíbrios ambientais. Os povos dos países emancipados no pós guerra vieram sentar-se à mesa do banquete e disputam as benesses do crescimento, e reclamam a sua parte do bolo da riqueza económica. Fora da Europa, produz-se mais e vive-se pior. E, paradoxalmente, dentro da Europa produz-se menos e vive-se melhor. Só que isso não vai durar sempre...

Deixamos, é certo, aos nossos filhos a promessa de uma vida mais fácil e um vasto património que eles vão ter de manter. Mas que valores, que crenças e que rumo lhe apontamos? Quais os caminhos que lhe mostramos? A educação para o sucesso e para a competitividade deu-lhes armas que pouco lhes irão servir na luta pela sobrevivência num mundo perigosamente minado.

Chegou a hora de começarmos a preparar o Encontro de Gerações.


segunda-feira, 13 de abril de 2015

Deus e a Flor

Quando, na idade dos porquês e influenciado pelas aulas de catequese, um dos meus filhos me perguntou: - Pai, Deus existe? , senti a pesada responsabilidade da resposta (fosse ela qual fosse!) e optei por focá-lo no problema. - Filho, esta é uma resposta que tu próprio vais ter de encontrar. E confrontei-o com as paradoxias da criação da Matéria, da origem da Vida, e da centelha que foi o aparecimento da Inteligência nos humanos. Só não lhe falei da Morte! – uma criança não entende a Morte - e do mistério que ela encerra. Ele, pensativo, anuiu que sim, que Deus deveria existir, mas acrescentou um desabafo de racionalidade bíblica: - Só que já para aí há uns dois mil anos que ele não faz nada, não achas?!

Esta história faz-me lembrar outra de um amigo, católico praticante, que me confessava a sua dificuldade em admitir como é que Deus, no dia do Juízo Final, iria julgar tantos milhões de seres humanos, sendo que cada um teria o seu processo individual, com o direito a apresentar as suas razões, a justificar os seus atos, a invocar as suas atenuantes...Estou a referir-me, claro, ao Deus dos judeus que, incarnado em Cristo ou exprimindo-se pela palavra de Maomé, tanto influenciou - e continua a influenciar - a Humanidade.

Primeiro, Galileu destronou a Terra como centro do mundo; depois, Darwin questionou o Homem como o eleito da criação; finalmente Freud mostrou a fragilidade da alma humana. E, à medida que vamos penetrando nas profundezas do Universo, que percecionamos a sua imensidão e antevemos muitos outros mundos vivos - e inteligentes! -, para além do nosso, parece fechar-se o espaço para esse Deus. A causa disto reside na crença de que Deus criou o Homem à sua imagem, quando o que aconteceu foi exatamente o contrário: o Homem criou Deus à sua imagem. E como o Homem e a sua imagem estão a mudar - e de que maneira! - Deus vai ter também de mudar.

Mas, à medida que se reduz o espaço para Deus no Universo, parece ampliar-se o espaço para Deus dentro da mente dos homens. A inteligência deu ao homem a capacidade de fazer escolhas, o livre arbítrio. Ora, é nas escolhas que o homem se confronta com o divino, pois em cada escolha o homem está confrontado com o seu Eu, com a sua Mente e com Deus. Este Deus interior tem de ser ativamente procurado - pode até ser necessário construí-lo! -, ele é uma parte desse éter que tudo enforma, que tudo explica, que é positivo, criador, inspirador e fonte de Vida.

Hoje, não sei se teria respondido da mesma maneira ao meu filho. Talvez lhe tivesse pegado na mão e o tivesse levado a procurar a flor mais singela do campo e lhe tivesse dito - Deus está dentro desta flor, vamos ver se conseguimos descobri-lo!

Encontrar Deus dentro de si próprio e, com sacrifício do Eu, saber dar-lhe expressão nas escolhas da vida, é próprio da natureza dos homens bons, dos sábios e dos santos.


segunda-feira, 6 de abril de 2015

Depois da Crise

Naquele final de verão de 2008, com a falência do Lehman Brothers e o desmoronar de grandes seguradoras, intermediários financeiros e hipotecários, tudo parecia ruir. O espectro da grande recessão dos anos 30 do século passado - algo que se considerava irrepetível! -dominava as notícias. Falava-se de uma crise financeira, do rebentamento de uma bolha de crédito hipotecário imobiliário nos EUA - o subprime - que provocava efeitos devastadores no mercado financeiro e nas bolsas. O aparentemente sólido sistema financeiro americano parecia ruir como um castelo de cartas. As casas perdiam valor, os proprietários em incumprimento eram despejados, os bairros fantasmas de casas recém construídas e sem compradores, estavam ao abandono. Homens de reputação, antes insuspeita, eram presos e biliões de dólares esfumavam-se sem se saber como nem para onde.

Depois foi o alastrar da crise à Europa e ao mundo. Surgiu a chamada crise das dívidas soberanas que teve em Portugal o efeito conhecido. Tomámos consciência de que estávamos a viver acima das nossas possibilidades. De um momento para o outro, as pessoas habituaram-se a viver com menos, perceberam que os empregos não eram para a vida, que um diploma universitário não era garantia de emprego, que as reformas não estava asseguradas apenas porque tínhamos feito descontos durante uma vida de trabalho. Percebemos que os bancos podiam falir, que as poupanças podiam esfumar-se e que o estado social poderia estar em risco. Enfim, o sonho de crescimento infinito e ilimitado desfazia-se. A segurança trazida pelo euro começou a ser questionada, instalou-se o descrédito na Europa das nações, o realismo desfez os sonhos megalómanos do TGV, do novo aeroporto, de autoestradas para cada aldeia do país.

Passados quase sete anos, poderemos afirmar que entendemos a crise, a sua génese e as suas consequências? Mais do que uma crise económica e financeira, esta foi uma crise civilizacional, eu diria até antropológica. Pois não foi ela um sobressalto para o devir da Humanidade e uma dúvida sobre a capacidade dos homens tudo superarem? Uma das lições desta crise global foi a rapidez do seu alastramento, a sua persistência e a constatação da frágil interdependência das componentes do sistema económico. Percebemos que existem limites ao crescimento, e que eles podem estar mais perto do que antes suspeitávamos. O que se passou de facto foi um desajustamento entre o crescimento financeiro - virtual e gerado pelo crédito- e o crescimento económico - real e correspondente à riqueza produzida.

Começa agora a instalar-se nas mentes a ideia de que a crise já terá sido superada. A economia sugeriu a fuga para a frente como solução e nós entrámos no jogo. A receita de mais consumo como remédio para ultrapassar as dificuldades parece estar a resultar: a vida continua a ser governada pelo horário das telenovelas, as vendas de automóveis voltam a disparar, os hotéis voltam a encher-se, o preço das casas começa lentamente a subir. Muitos voltam a sonhar com viagens e férias em destinos longínquos. E até o petróleo ficou mais barato...

Mas se olharmos para o que se passa no mundo, questionamos esse otimismo: as tribos preparam-se para o confronto dentro da Europa; na África, a população rebenta pelas costuras e ameaça invadir a Europa do sul; no Médio Oriente, em ebulição, culturas milenárias são destruídas no meio da desorganização social e do extremismo religioso...A China está cada vez mais disforme e poluída, a Rússia sem gente e sem espaço político, a Europa desunida e sem estratégia, a Índia prenhe de gente, de desigualdades e de contradições, a América Latina é uma grande favela. Nos anos vindouros, as tensões demográficas, provocadas pela explosão da natalidade nos países mais pobres e pelo envelhecimento nos países mais ricos, vão ampliar-se; os conflitos sociais vão agravar-se; as desigualdades entre países e entre pessoas vão acentuar-se. Apesar dos avanços tecnológicos nas energias renováveis - sobretudo na solar - a dependência da energia fóssil está longe de estar resolvida. E o risco da dependência da economia nas vulneráveis redes digitais é uma ameaça constante e crescente.

Em boa verdade, vivemos a primeira grande crise de crescimento que nos alertou para muitas questões. Alguns começaram a olhar para o campo com outros olhos. As questões ambientais ganharam força. Começa a esboçar-se uma maior preocupação com questões de ética, com a espiritualidade e com a solidariedade. Acredito que a próxima crise não nos apanhará tão desprevenidos como aconteceu desta vez.