segunda-feira, 6 de julho de 2015

A Inovação

Carlos Moedas esteve no Grémio Literário no passado dia 25 de junho para encerrar o ciclo de conferências: “Portugal pós - Troika: que Moeda, que Economia, que Futuro?”. Em plena crise grega, tinha criado uma certa expectativa em relação a esta conferência, mas o jovem comissário - o primeiro comissário Erasmus, como ele próprio se definiu - evitou o tema e escolheu falar de Ciência e Inovação.

Começou por falar da Europa, espaço onde uns escassos 7% da população mundial produzem mais de 30% do conhecimento global. No velho continente destacou três particularidades: uma plataforma de convergência e de bem estar, um espaço de conhecimento, e um estado social forte. Algo que todo o mundo gostaria de imitar. Entende que é necessário conservar estas características e explorar aquele pilar - referia-se à inovação e ao conhecimento! -, o único que realmente pode gerar riqueza e promover crescimento. Porque, acrescentou ele, a inovação foi o grande responsável pelo crescimento, sendo-lhe atribuído 62% do crescimento verificado na Europa entre 1995 e 2007.

Não advoga uma inovação, embora sustentada, que apenas sirva para substituir produtos ou aumentar a eficiência na sua utilização. Defende sim, uma inovação criadora de mercado, logo, de emprego. Isto é, novos produtos-verdadeiramente novos! –, e com novas aplicações. Como exemplos desses produtos que, nas últimas décadas, ajudaram a mudar radicalmente a nossa forma de viver indicou: o telemóvel e o computador pessoal. Poderia ainda ter referido a máquina fotográfica digital, o vídeo gravador, o walkman, que muito ajudaram a prosperar o Japão do pós guerra.

Para Carlos Moedas, vivemos plenamente a revolução digital. Comparou a máquina a vapor, símbolo da revolução industrial, com o transístor desenvolvido na Bell em 1940, símbolo da revolução digital. Serviu-se deste dispositivo eletrónico para exemplificar aquilo que ele designou por investigação fundamental, a investigação sistemática realizada dentro de uma empresa com a intervenção de vários especialistas. O palestrante acha que a Europa não tem tido no sector digital o sucesso que tem no sector industrial. E questionou-se sobre as causas desse insucesso, considerando que o que falha na Europa resulta da sua fragmentação, são as barreiras invisíveis entre países.

Depois falou da sua visão para o futuro, da necessidade de uma grande abertura: open inovation, open science e open to the world. Enfatizou o papel dos consumidores como motores da inovacão. É o conceito de user inovation, que pode motivar um engenheiro a descobrir a cura de uma doença. Entretanto, aproveitou para informar que para falar sobre o tema, estará na Gulbenkian, neste mês de julho, o maior especialista mundial da matéria, o professor da Sloan Management Scholl do MIT, Eric von Hippel. Referindo às interações, cada vez maiores, entre o mundo físico e o mundo digital - a internet das coisas! – apontou quatro sectores que, no futuro, serão muito afetados por esta interação entre o físico e o digital: os sectores da alimentação, da água, da energia e da saúde.

A ciência tem de ser open, o conhecimento tem de ser difundido de forma gratuita - não podemos pagar para ler. Sobre o terceiro pilar, a abertura ao mundo, que ele designou de Ciência e Diplomacia, mencionou uma recente visita à Jordânia para visitar o único centro acelerador de partículas no médio oriente. Aí viu irmanados pelo conhecimento árabes e judeus, partilhando uma linguagem comum : a linguagem da ciência. A propósito deste pilar, e citando a obra Os Inovadores de Walter Isaacson, evocou uma filha do poeta Lord Byron, Ada Lovelace, nascida em 1815, colaboradora do inventor do computador Charles Babbage e que foi o primeiro programador da história. Ada anteviu a economia digital e referiu que a Arte - a literatura, a música e a pintura, por exemplo - um dia seria reduzida a números.

Carlos Moedas é um tecnocrata com uma visão simplista das coisas. É um crente da economia liberal, acredita no crescimento ilimitado, e vê na inovação o caminho para o conseguir. A Europa, com a sua baixa natalidade, sem recursos energéticos, começa a enfrentar uma grave crise de crescimento. Ora a inovação, só por si, não vai gerar o crescimento que a Europa necessita para manter o atual nível de conforto e o seu generoso estado social. Além disso, tem o espartilho da fragmentação entre países e uma estrutura de produção de conhecimento essencialmente académica, que é demasiado pesada num sector onde é preciso correr riscos e tomar decisões rápidas...Aquilo que os académicos não sabem ou não gostam de fazer!

O crescimento baseado na inovação pode ser um crescimento limpo e desejável para a velha Europa... mas, duvido muito que vá acontecer...Estou mais próximo de Robert Ayres que considera a energia o mais importante fator de crescimento. E, sobre a inovação, partilho da linha de pensamento de Joseph Tainter: acredito que é muito elevado o risco de, através dela, aumentar a complexidade social e criar condições para aumentar a ocorrência de Cisnes Negros

Uma questão, talvez filosófica, será a de saber se o telemóvel é, afinal, uma coisa boa ou uma coisa má... E o mesmo se pode perguntar sobre a televisão, sobre os jogos de computadores etc... De alguma forma, a Europa se quer ter futuro, tem de ter a coragem de desinovar e reencontrar-se no que é simples e espiritual. Para tornar as pessoas mais fortes, mais humanas e mais felizes.

Julgo que Carlos Moedas ainda não percebeu que o futuro da Europa vai jogar-se em Kiev, na Crimeia e em Lampedusa, e não no Cern ou nos meandros da economia digital.

2 comentários:

  1. O filho do Zé Moedas de Beja, é um atrevido e um ultra liberal. Não merecia um texto tão sugestivo.

    ResponderEliminar
  2. Eu diria que precisamos continuamente de inovar, mas ao nível do pensamento, e não tanto de uma tecnologia que nos fornece bens de consumo imediato mas parece impotente para resolver os grandes problemas do nosso tempo (quando não os piora). Mas convém não esquecer que vivemos num Mundo em que tomamos como assegurado um bem como a Saúde, quando doenças que hoje se curam com um simples antibiótico eram fatais há menos de cem anos. Essa conquista é uma dádiva da tecnologia, como o são todos os meios de diagnóstico que tiveram origem em laboratórios que são os antepassados do moderno Cern. Parece-me evidente que este progresso material também tem uma componente moral. Finalmente, quanto a Moedas, nunca tive oportunidade de o ouvir falar, mas tem a certeza de que o seu discurso não era simplesmente a habitual língua de pau que caracteriza os políticos? Suspeito que o Moedas pessoa será alguém que se caracterizará por um pensamento muito mais multi-facetado e por isso mesmo mais interessante...

    ResponderEliminar