segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Oráculo

Confesso que gostava de saber prever o futuro. E desse modo poder surpreender-me com a antevisão onírica dos amanhãs que cantam. Surpresa sim, porque os últimos anos fizeram de mim um pessimista. Não totalmente desesperançado, é certo, mas muito cético. Olho à minha volta e vejo tantos escolhos no caminho da espécie que as probabilidades de um fracasso civilizacional me parecem muito grandes e parece-me muito pequena a esperança de continuar a haver prosperidade na sociedade dos humanos. Vejo a Europa sem recursos, sem energia, sem gente,- sobretudo sem gente! -, adormecida e obesa em resultado do sucesso consumista dos últimos 60 anos, cada vez mais enredada na burocracia de uma construção labiríntica. E vejo o meu país também ele envelhecido e acomodado, sem alma nem rumo, nem sonhos de quinto império.

Vejo os recursos do planeta esgotarem-se paulatinamente; vejo a poluição  tornar o ar irrespirável, contaminar as nascentes e envenenar os alimentos que comemos; vejo o planeta ameaçando revoltar-se para repor os equilíbrios que estão a ser destruídos pelo homem. Como saída para este estado de coisas, a economia - o monstro que nos governa! - apenas sugere uma fuga em frente. Para o implacável crescimento, aponta apenas o caminho do reforço da globalização. No nosso ocidente, (a Europa e a América),  a dívida sufoca os países mais pobres, o famigerado crescimento - que todos anseiam e prometem e ninguém contesta!-, tarda em aparecer. Indignada, a classe média conta os tostões das reformas, vê a vida a andar para trás e vê os filhos e netos partir em frente á procura de emprego, em remotos destinos...

Desacreditada está a social democracia que nos prometeu o paraíso e que agora corta salários e pensões. No espectro político, o centro esvazia-se, as posições extremam-se. Revivem-se os tempos de frentismo, a lembrar os anos 30 do século passado, tempos esses que  não foram prenúncio de coisa boa. As fronteiras da Europa, onde há espaço e dinheiro, são a porta do eldorado para as gentes dos pobres e massacrados países que ainda há meia dúzia de anos faziam revoluções e anunciavam  a democracia ao virar da esquina.

Eu gostava de prever o futuro... Perceber como se vai desatar este nó de produzir cada menos e querer gastar cada vez mais; saber que destino espera os sitiantes da Europa quando as fronteiras  se fecharem - porque se irão fechar! ; que caminho vão escolher  os britânicos quando votarem a saída ou a permanência na União Europeia - num país em que ser de esquerda é ser patriota, prevejo que o voto será pela saída. Gostava de saber se os catalães vão ou não separar-se do Reino de Espanha, enfim, saber como vai terminar o conflito da Síria onde americanos, russos, iranianos e tudo o resto, dançam à volta de uma fogueira armadilhada.

Afinal, pessimista confesso, eu até teria muitas boas razões para ser  otimista. Devia estar feliz porque em Portugal há mais telemóveis do que pessoas, porque posso sintonizar quase duas centenas de canais de televisão, por já ter o último modelo do Iphone, por estar a chegar ao nosso país a netflix americana, por ver o Marcelo já com um pé na presidência da república, por ver finalmente uma maioria de esquerda a governar Portugal e a austeridade a ter os dias contados.

Eu gostava de prever o futuro para saber se se vai reconstruir uma aldeia - com um templo e uma escola - no sopé dos Himalaias para albergar os meninos do Campo Esperança, em Kathmandu. Gostava, sobretudo, de saber como vai ser a minha aldeia dentro de 20 anos, depois de morrer o último habitante.


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