segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Impressões de uma Viagem pela Europa

Os franceses da região de Lille parecem ignorar que há cem anos, muito perto dali, nas linhas das trincheiras da Primeira Guerra Mundial, se jogava o futuro da Europa e do Mundo. Aparentam um ar grave e triste. Parecem felizes nas superfícies comerciais a transportar carrinhos de mão, abarrotados de compras, e nos restaurantes aquecidos devorando suculentos pratos de carne: filets, côtelettes, rotis e cassoulets.

Atravessa-se a França de carro e as cidades ficam-nos ao lado: Rouen, Amiens, Le Mans, Tours, Angoulême ... As auto estradas são canais assépticos que só revelam a monotonia da paisagem e camuflam a atividade humana. Eu ainda conheci a outra França, das pequenas aldeias balzaquianas, das mobillettes e das pessoas levando na mão as longas baguettes de pão.

Para o viajante ou o turista de hoje o digital domina tudo. Já não precisamos de mapas nem de guias. Com um smartphone e as facilidades do roaming estamos conectados com o mundo inteiro.

Na noite da meseta, o céu volta a ganhar a dimensão e o mistério que a luz elétrica e o néon das cidades lhe roubou há muito. Até a Lua grande, que já a começou a minguar, não consegue esconder o esplendor da bela constelação de Orion. E o esbranquiçado dos aglomerados da Via Láctea deixa voar a nossa imaginação para o infinito, e remete-nos à nossa insignificância.

Na judiaria de Hervas, tento compreender o drama provocado pelo Édito de Expulsão promulgado pelos Reis Católicos. Muitos judeus foram dali empurrados e vieram povoar as terras da raia portuguesa: Belmonte, Trancoso e Castelo Rodrigo. Imagino que alguma daquelas casas teria sido ocupada por um dos meus antepassados de Mata de Lobos. A Inquisição é, ainda hoje, algo que escapa ao meu entendimento.

Nas primeiras horas após o nascer do Sol, a Estremadura espanhola tem uma beleza estonteante: milhafres e águias elevam-se no ar, impulsionadas pelas correntes ascendentes do ar que o Sol começa a aquecer. A terra, esbranquiçada pela geada, reflete a luz solar e brilha como um espelho. A vista espraia-se por um horizonte sem fim com farrapos de neblina alongando-se sobre os vales.

Já depois de Cáceres, na berma da estrada jaz uma coruja das torres que, imagino, não terá escapado a tempo do choque com um carro a alta velocidade. É um animal que tinha um significado muito especial para as populações rurais. Chamavam-lhe rasga mortalhas, porque o seu grito agourento faz lembrar o ruído rouco do rasgar de um tecido.

Em Estremoz, havia feira Gastronómica de Caça e Pesca. Com ar de sofreguidão, as famílias aglomeravam-se à espera de lugar na entrada dos restaurantes que serviam migas e outras especiarias. Ficavam indiferentes ao trabalho do Eduardo, um taxidermista que na sua banca exibia patos, perdizes, pombos, estorninhos malhados e tordos. Confessou-nos que trabalhava aquela arte, com amor, desde os onze anos de idade. E nós logo ali imaginámos a coruja das torres conservada pelo Eduardo para ficar como recordação desta memorável viagem pela Europa.

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