segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

A Cultura

A iniciativa do Expresso de publicar, em fascículos, um livro sobre a cultura Ocidental e a entrevista que Eduardo Lourenço, o prefaciador do primeiro volume, deu àquele jornal, suscitaram-me esta reflexão. O assunto é aliciante, se considerarmos que uma sociedade é a simbiose de uma componente biológica e de outra cultural. Que evoluem a velocidades diferentes.

Não me proponho falar do conceito de cultura individual, que significa os conhecimentos que cada um de nós tem e a compreensão que faz do mundo que nos rodeia. Refiro-me à cultura associada a um grupo social. Que integra os conhecimentos, as crenças, os costumes e todas as representações que deles se fazem através da expressão oral, escrita e artística. A cultura reúne a acumulação de conhecimentos e saberes transmitida ao longo de gerações. É como se a cultura de um povo fosse a sua alma, a sua memória coletiva. A cultura é reflexiva - como diz Lourenço, é o diálogo da Humanidade consigo própria. Cada homem é um agente, mas também um produto da cultura onde se insere. Sem inteligência não existe cultura, e, por outro lado, é à luz da cultura e no seio dela que a inteligência se exprime.

Podemos, com propriedade, falar de diferentes culturas: a cultura ocidental, a cultura chinesa, a cultura oriental, as culturas que os europeus encontraram nas Américas, etc. Hoje a cultura é global, ou tende a ser global. Isso enfraquece a cultura, transformada numa monocultura. Deste modo, perde-se muita da antiga fertilização que resultava do cruzamento de culturas.

A cultura é evolutiva; ela transforma-se e adapta-se a cada época. A cultura para se difundir pressupõe um sistema de comunicação e de um processo de registar o conhecimento e o saber. Ao longo da história foram a linguagem, a escrita e a arte que desempenharam esse papel. A internet abre novas e imensas potencialidades para a sua disseminação, mas também para a evolução da cultura. Estamos no limiar de uma revolução cultural. No entanto, convém não esquecer a fragilidade que está associada à dependência da tecnologia e à volatilidade dos registos digitais. Esta revolução pode levar-nos ao Paraíso. Mas, pode conduzir-nos ao Inferno...

Os conceitos de bem e de mal estão enraizados em cada cultura. Como disse Lourenço, ela leva-nos a separar o aceitável do inaceitável. Na base de qualquer cultura estão os valores, aquilo que alguns designam por referências culturais. Em cada época, em cada sociedade, existiram diferentes referências de valores. Na sociedade atual são importantes valores como a Liberdade, a Democracia e os Direitos Humanos, e não longe vai o tempo em que, entre nós, se afirmavam os valores da trilogia Deus, Pátria e Família.

A cultura não pode dissociar-se dos três pilares em que assenta a organização social: a religião, a economia e a política. A religião, que noutros tempos foi a matriz de muitas culturas, está dar lugar à economia que tudo comanda, e faz do sucesso, do consumismo, do dinheiro valores afirmativos e proeminentes da cultura dos nossos dias. A política acaba por se escudar na defesa do status cultural vigente, e na perpetuação no poder de uma elite de governantes. Mas esses pilares - no plano religioso, económico e político- são hoje postos em causa, sobretudo, pelos jovens que se manifestam e se indignam. Além disso, defendem uma contracultura como se fosse o negativo da cultura estabelecida.

O ser humano é o ser da escolha; por isso, a educação desempenha o papel central, pois é a forma de transmitir a cultura de uma geração para a seguinte. Mas não devemos cair na tentação de formatar de forma rígida a cultura que transmitimos aos nossos filhos. Temos de saber deixar-lhes o espaço para inovar, para desbravar novos caminhos, porque a cultura não é apenas nem nunca será o fim da história. Volto a citar Eduardo Lourenço: "A cultura é a barca para chegar ao nosso destino". Só que esta barca está sempre em mudança, ganhando sempre novas qualidades e novas funcionalidades. O rumo não está definido; o destino ninguém o conhece. Saboreemos o prazer de navegar e apreciemos as belezas que cada nova ilha ou continente descobertos nos venham a revelar...


1 comentário:

  1. Gostei e achei interessante este texto de Luís Queirós.As preocupações dele são também relatadas no seu livro O MUNDO EN TRANSIÇÃO. Obrigada Luís.

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