segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

O Grande Dilema

Pesa sobre o nosso futuro coletivo um grande dilema. A economia que nos rege não é viável sem um crescimento contínuo da riqueza produzida. Por outro lado, considerando a finitude dos recursos e os efeitos dos resíduos e das emissões poluentes, existe um limite para o crescimento, isto é, o crescimento contínuo da economia não é possível. Este é, pois, o grande dilema que se vai colocar à Humanidade; que acontecerá num prazo não muito distante. Provavelmente, nas próximas décadas; seguramente, ainda no século XXI. Pelo impacto que teve e pelo acerto das suas previsões, vale a pena recordar o livro "Os Limites ao Crescimento" da autoria de uma equipa do MIT, liderada pelo casal Dennis e Donella Meadows e publicado por iniciativa do Clube de Roma em 1972. Aí se equaciona a problemática do crescimento, analisam-se as variáveis que o condicionam, apresentam-se os possíveis cenários futuros e alerta-se para a gravidade da situação caso, entretanto, o dilema não seja superado. E, mais, estabelece-se como horizonte temporal limite para essa superação o ano de 2070.

A economia de mercado é governada por uma mão invisível que tudo impele para o crescimento. Já comparei os seus efeitos e a sua natureza a uma espécie de darwinismo social, na medida em que na evolução social só se afirmam os processos e as vias que maximizam o crescimento económico. São exemplo disso: o mercantilismo, a divisão do trabalho, a produção em série - iniciada na Revolução Industrial-, o consumismo do pós-guerra, a explosão do crédito e do capital financeiro, a globalização e os acordos de comércio livre. Ora, o crescimento é inerente à economia de mercado, e uma condição necessária ao seu funcionamento. Tal como um avião precisa de velocidade para se sustentar no ar, a economia precisa de crescimento para funcionar sem problemas. Na antiga União Soviética e seus países satélites, a experiência de economias planificadas, espartilhadas por condicionalismos que limitavam o seu crescimento natural, fracassou.

Por outro lado, o crescimento económico implica um crescimento demográfico, e o contrário também é válido. Existe, no sentido matemático, uma forte correlação entre as duas funções, pois, é difícil imaginar uma economia de mercado sem crescimento demográfico. A designada transição demográfica, que se acredita ser uma consequência do desenvolvimento económico e da elevação dos padrões de bem estar, prevê uma evolução tendencial para uma estabilidade populacional. Numa primeira fase, a taxa de mortalidade será inferior à taxa de natalidade, mas as duas tenderão gradualmente a decrescer e a igualar-se, quando já não for possível aumentar mais a esperança média de vida. A transição demográfica está em curso nos países mais desenvolvidos – é o caso de Portugal -, mas ainda é cedo para avaliar as suas consequências nos planos económico e social. Mas é preocupante constatar que o processo pressupõe um envelhecimento da espécie, uma diminuição relativa da população ativa, uma diminuição da vitalidade - por redução, expressa em percentagem do tempo de vida, do período de idade fértil - e um agravamento dos custos com os cuidados de saúde e com a assistência a idosos. Quando passar a haver estabilidade demográfica, será ainda possível o crescimento económico? Nessa altura, fará sentido construir novas casas, novas fábricas e novos equipamentos sociais, que a economia exige para crescer? Muita coisa vai alterar-se no plano familiar e assistencial. Porém, a questão demográfica não pode deixar de ser considerada, quando tivermos de ser confrontados com a superação do grande dilema.

A apropriação contínua dos recursos - com destaque para a energia fóssil -, e a otimização do seu uso pelo recurso à tecnologia, faz parte integrante do processo económico. O crescimento tem inerente um processo de envelhecimento, aqui considerado como significando o aumento gradual da entropia do meio envolvente. O que não espanta, se considerarmos que todo o processo produtivo tem como input produtos de baixa entropia (recursos, energia...) e como output produtos de alta entropia (lixo, emissões poluentes...). Para contrariar este envelhecimento, a economia socorre-se da tecnologia, procurando encontrar soluções para implementar processos progressivamente mais eficazes e menos poluentes, mas também mais caros e mais complexos. Este facto aumenta o risco de rutura das redes e dos equipamentos que os suportam. No futuro, haverá um aumento na frequência de ocorrência de fenómenos extremos: no clima, na contaminação de solos, nos conflitos sociais, nos atos de terrorismo. Mas, também, nas redes de suporte da economia (elétrica, comunicações, distribuição de bens, água, sanitária... ) e, talvez a mais grave de todas, no sistema financeiro. Podemos estar perante a iminência de um colapso global - e devemos ter sempre presente que ele afetará todas as economias, pois na sociedade global o colapso será global...

O ser humano é o único, entre os seres da criação, com inteligência reflexiva, que lhe permite antecipar acontecimentos e fazer previsões. Será ele capaz, usando as suas faculdades, de reverter este processo degradativo? A verdade é que pouco se tem feito para isso. Mas importa reconhecer que, por parte dos políticos, começa a aumentar a consciência dos riscos e já assistimos a uma bem intencionada preocupação visando a mitigação do processo: reciclagem de recursos, limitação de emissões poluentes, aumento da eficiência na utilização dos recursos escassos, e até - como aconteceu na China – a imposição da limitação da natalidade. Ora isso, da forma vaga e descoordenada como está a ser feito, só irá retardar o colapso. No entanto, essas medidas podem, inclusive, ter efeitos perversos por acentuar alguns desequilíbrios, acelerar certos processos inconvenientes, acabando por ter um efeito contrário ao desejado. Ao evitar um pequeno sismo, as tensões aumentam, impede-se a dissipação de energia, mas pode estar a aumentar-se o risco de um sismo mais intenso no futuro. Não vejo como será possível a superação do grande dilema, feita por uma transição suave e pacífica para aquilo que hoje se designa por crescimento sustentável - por vezes, apresentado como desenvolvimento sustentável para adoçar a pílula. Como disse Albert Bartlett, o crescimento nunca é sustentável. Mas, nada fazer ou retardar as ações, faz lembrar a história do sapo que está dentro de uma panela com água que está a aquecer em lume brando. A temperatura aumenta muito gradualmente, e o sapo não dá por isso. Quando se apercebe do risco já não tem capacidade de reagir, e acaba por morrer cozido. A economia e o planeta estão em rota de colisão. Urge, pois, tomar medidas a sério; ou, em alternativa, apertar os cintos de segurança.

A inversão do processo resultará, antes de tudo, da tomada de consciência por parte de uma elite esclarecida. Isso já se verifica, nomeadamente nos Estados Unidos, onde à margem dos mainstream media - eles próprios parte interessada por estarem dependentes da economia - proliferam organizações que começam a alertar para a urgência do problema. Mas, caberá sempre à classe política tomar as decisões que se impõem. Todavia, os políticos estão amarrados à gestão do curto prazo. Por esse motivo não contestam a economia e o seu discurso é consonante com ela. É o discurso de mais crescimento, de mais emprego, de mais consumo, sempre a prometer mais direitos e a exigir menos deveres. A política acaba por intervir na economia introduzindo nuances: na fiscalidade, na redistribuição de rendimentos, na defesa do Estado Social, na dosagem da austeridade, nos estímulos ao consumo ou ao investimento. Mas, não atacam o problema de fundo. Entretanto, as tensões vão-se acumulando. E é o acumular das tensões e o desfasamento entre a política e a economia que provocam as guerras.

A religião - que juntamente com a economia e a política constitui um dos três pilares da sociedade – pode desempenhar um papel neste processo. Não me refiro a nenhuma religião em particular. Também não me refiro à vertente dogmática dos credos, e ainda menos à sua estrutura orgânica, que sempre esteve muito próxima do poder e foi responsável por tantos erros no passado - basta lembrar a Inquisição. Estou a referir-me a uma religião não dogmática, e não orgânica, que tenha como missão propagar a fé no homem e procure pela via espiritual um destino para a espécie.

Chegará o momento em que a sobrevivência da espécie obrigará a medidas muito severas, que eu apenas antevejo possíveis no quadro de um governo mundial centralizado. Vai ser necessário construir um homem novo. Mas, para tal será necessário considerar uma nova economia, uma nova política e uma nova religião... Não me vou alongar sobre o caminho a percorrer. Esse é o desafio que se nos coloca. Estou certo que ele será percorrido. A revolução digital terá um importante papel a desempenhar na caminhada. Mas o principal papel caberá à Educação, que tem de saber libertar as mentes da nova geração para a realização dessa tarefa. Nós, os mais velhos, nunca seremos capazes de construir o homem novo. Não devemos impedir os mais jovens de o fazer!

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