segunda-feira, 26 de setembro de 2016

A Ruralidade pós-agrícola do nosso Interior

No passado dia 16 de setembro participei num  jantar-debate sobre o tema "Portugal conhece o Interior?" organizado pela Associação dos Territórios do Côa que teve lugar no aprazível restaurante da Quinta do Prado Verde, em Vilar Formoso. Foi em em Almeida, no meu concelho, por sinal um dos mais afetados pela desertificação que mina toda a região do Interior Beirão. Estavam ali presentes jornalistas, académicos das Universidades da região e, pelo menos, um deputado. Ao contrário do que tinha sido anunciado, a  professora Helena Freitas que preside à Unidade de Missão para a Valorização do Interior, criada em março passado pelo atual governo, não foi a Vilar Formoso. Mas interveio na sessão, via  skype. 

O debate esteve dominado pelas intervenções de alguns autarcas da região - Guarda, Almeida, Sabugal, Manteigas e Penamacor. Não sobrou tempo para os representantes dos órgãos de comunicação e, muito menos, para o público em geral. Discutiu-se a forma de inverter a situação atual; o tema específico do debate nem sequer foi aflorado. A moderadora, a jornalista  Felícia Cabrita, tentou desempenhar o seu papel o melhor que pôde, mas via-se que estava claramente deslocada, que não se sentia à vontade dentro da temática.

Após as breves palavras de boas vindas proferidas pelo professor António Baptista, presidente da Câmara  de Almeida, seguiu-se a intervenção de Álvaro Amaro, o fogoso presidente da autarquia da Guarda, a qual  acabaria por marcar o tom da sessão. Álvaro Amaro começou por reconhecer que as estatísticas são inexoravéis: o Interior está a desaparecer, perde população, envelhece, não consegue atrair investimentos. Faltando gente, não existe economia produtiva. Implicitamente, reconheceu que a política de subsídios - parece-me a mim a única que motiva a governação local - não tem dado os resultados esperados. Que fazer? Como resposta disse que não vale a pena apresentar muitas medidas pois isso só serve para adiar soluções, ir fazendo qualquer coisita e ignorar o essencial. Por isso, centrou-se em duas que, pelos vistos, já defende há muito tempo: uma de política fiscal e outra de política educativa. Concretamente, relativamente à primeira medida, advoga que durante um período, se reduza o IRC para as empresas que invistam no Interior, o qual seria depois reintroduzido de forma gradual. Já em relação à segunda medida, defende que, para certos cursos superiores, através de um sistema de numerus clausus, se  façam deslocar estudantes das Universidades dos grandes centros (Lisboa e Porto) para as Universidades do Interior.

Outras intervenções surgiram dentro da mesma linha, defendendo a discriminação positiva desta região e a urgente necessidade de trazer pessoas, o que passa, necessariamente, pela criação de emprego. Falou-se ainda de cooperativismo. A professora Helena Freitas - intervindo pelo Skype - informou que o relatório da Unidade de Missão já teria sido entregue ao Governo, mas nada adiantou sobre as propostas nele contidas. Na fase das perguntas, confrontada com as propostas do Presidente da Câmara da Guarda, desvalorizou-as. O meu destaque vai para a intervenção do presidente da autarquia de Penamacor, o único que, na minha opinião, pôs o dedo na ferida. Disse que estes concelhos viveram durante centenas de ano de uma economia baseada na agricultura e que ela desapareceu e não foi substituída por outra. Atualmente são concelhos que pertencem ao que ele designou por mundo rural pós agrícola. Focou duas situações que não estão a ser devidamente acarinhadas: o cadastro da propriedade rural e o emparcealmento.

Na verdade, o futuro da agricultura de vastas zonas - sobretudo no norte de Portugal - depende da capacidade de modificar o regime da propriedade rural. Disso mesmo se aperceberam os governantes que, desde o século XIX, têm legislado no sentido de promover o emparcelamento. No entanto, os resultados foram parcos, pode dizer-se praticamente nulos, e a questão de fundo prevalece sem alteração. Em 1988 uma nova tentativa - o Decreto-Lei n.º 384/88 de 25 de Outubro - teria o mesmo insucesso. Chegou o momento de investigar as causas destes falhanços, e regressar ao assunto de forma mais consequente.

Já na semana passada, foi tornado público que o relatório relatório da equipa da professora Helena Freitas já tinha sido entregue ao Conselho de Coesão Regional e que ele contempla propostas de mais de 150 medidas para valorizar o Interior. Concordo com Álvaro Amaro, considero que são medidas a mais. Receio que seja mais um daqueles relatórios que vai ser muito badalado mas que não vai servir para nada. E não acredito que o atual governo tenha condições para propor alterações - necessariamente corajosas e polémicas - ao regime de propriedade rural.

Fiquei a saber, em Vilar Formoso, que para as escolas do concelho de Almeida entraram este ano para o primeiro ano de escolaridade 20 crianças, algumas das quais oriundas  de outros concelhos.  Entretanto, o mais certo é que as estatísticas continuem  a trazer-nos más notícias até que surja o desastre ou o milagre.

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