segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Génesis

Depois de um período de férias regresso ao blog. Neste verão afastei-me de televisão e dos jornais e dediquei-me sobretudo a tarefas manuais no jardim e no bricolage.  Procurei o prazer de viver de forma frugal e de fazer coisas simples - pensando, por vezes, na fase outonal de Lev Tolstoi. Será isto um sintoma da idade? Para fugir à canícula exagerada deste verão, num dia do início de agosto, escapei-me com a Paula para a fresca e verde Sintra e, quase por acaso, acabámos alojados no celebrado Lawrence´s onde cada recanto me parecia impregnado da figura esguia do jovem Eça - um verdadeiro êxtase! Já em Almeida, na Asta, que é para mim o espaço mais sagrado do mundo, participei, no final de Agosto,  num workshop sobre arteterapia. Vivi com a Maria José, com o desconcertante Jonatas e um grupo de jovens senhoras - todas muito bonitas! - uma experiência ao mesmo tempo  prazerosa e espiritualmente enriquecedora. Mas confesso que sinto nesta rentrée alguma preguiça mental para voltar a escrever. Eu prefiro abordar temas intemporais e não gosto de me perder na análise dos assuntos - sempre tão volúveis! - da atualidade social e política. Sinto necessidade de tempo e de silêncio interior para produzir ideias. E nem sempre consigo reunir estas duas condições. Mas alguns amigos, generosos, pedem-me que continue a publicar. Hoje escrevo sobre o tema central da Humanidade: a Criação do Mundo. E dedico este despretensioso texto ao Eng. Galhardo Coelho que não conheço pessoalmente mas que, de vez em quando, me envia umas notas e me vai ajudando a perceber o Universo com outros olhos.

O homem primitivo, já consciente do seu eu no mundo, cedo se apercebeu das particularidades do meio natural que o envolvia: o Sol que aquece, alumia e volta todos os dias; a  serena Lua que o acompanha; o ciclo das estações que em cada ano revitalizam a terra; o sobe e desce das marés do Mar imenso, imaginado sem fim; a profusão da Vida, na terra, na água e no ar; a ira que provem das entranhas da terra, quando se agita em frenesim ou vomita fogo; a fúria do trovão, do raio, da chuva e da ventania no auge das tempestades. Enfim, o amplitude do céu estrelado a suscitar sonhos e a ativar a imaginação. Perante tal deslumbramento, o homem primitivo procurou respostas: para a origem das coisas, para a origem da Vida, para a explicação dos fenómenos naturais, para o absurdo da morte, e sobre como sossegar a angústia de não saber o que existe depois dela. Foi para responder a tudo isto que surgiram os mitos. Que são as narrativas protagonizadas por deuses, e que são a base das religiões.

As narrativas mitológicas da criação do mundo estão presentes em todas as sociedades e em todas as religiões. Na mitologia grega, no princípio, havia o caos e a noite. Eros fecundou Gaia e nasceram os titãs. Um deles, Cronos simboliza o tempo. As narrativas dos astecas, dos maias, e dos egípcios contêm  os princípios que enformaram as religiões, os cultos, os rituais e os sacrifícios. Na Bíblia dos judeus, Deus começou por fazer a Luz ( fiat lux) e dar forma aos mares e aos continentes. Depois criou as espécies vegetais e animais - a Vida!- e, no final, criou o Homem - a Vida Consciente. E ordenou ao Homem que dominasse a Terra e se multiplicasse. Nos mitos da cosmogenia existe em comum uma divindade que organiza o caos, que domina as trevas, que cria as coisas vivas e que molda o homem à sua imagem e com ele estabelece laços (religo) que estruturam o culto religioso.

A Ciência está a destruir os mitos e, à medida que isso acontece, o Homem passa a ocupar o lugar de Deus. Galileu desferiu o primeiro golpe, Darwin arrasou a Bíblia, Freud aniquilou a Alma e Einstein questionou a rigidez dos conceitos de  tempo e do espaço sensorial. Muito se avançou na explicação da criação do Universo. Para a cosmogenia, surgiu a teoria do big bang. Mas persistem muitas dúvidas e muitas respostas por encontrar: sobre a natureza da luz, sobre a gravidade, sobre o que existe para lá da matéria sensorial. O Big Bang é um mito moderno em que o Homem se quer substituir a Deus na nova narrativa da Criação. Mas o Big Bang explica o Princípio mas não aponta o Fim. E não explica o que havia antes do Princípio. Também o Big Bang não explica se o código do ADN - ou seja a Vida - já estava inscrito no momento da explosão inicial. E também não resolve a grande questão sobre o fenómeno humano e sobre a consciência que o caracteriza.

Sem o mito criacional as religiões perdem os seus fundamentos. Só assim se explica a reação da Igreja Católica aos que destruíram o mito do Génesis (Galileu, Darwin, Freud). Com o Homem a ocupar o lugar de Deus abre-se uma nova dimensão na perspetiva da religiões. Que tem de fundar-se na ética e no direito, os quais, por sua vez, são condicionados pela política e pela economia. Mas isto não resolverá a angústia existencial ligada à origem de tudo. Podemos um dia explicar o como mas acredito que nunca saberemos o porquê. Afinal o homem é apenas um objeto da criação: matéria a tomar conhecimento ou consciência de si própria. Será isto uma maldição ou uma redenção?

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