segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Europa: as duas faces da moeda

Desta vez, o debate sobre a Europa aconteceu na Sociedade de Geografia de Lisboa. Sob o tema "A Europa na encruzilhada: o futuro do Euro", discutia-se o futuro da Europa e em particular da moeda única. Como intervenientes, os economistas João Ferreira do Amaral e Fernando Teixeira Santos – uma espécie de prós e contras sobre qual deverá ser a futura posição portuguesa relativamente ao Euro. A assistir estariam umas trinta pessoas, a maioria delas com aparência de reformados, pareceu-me estarem por ali ex-embaixadores, ex-professores, ex-militares... A sala, a assistência, o ambiente e a própria instituição que acolhia o evento sugeriam um tristonho quadro de decadência. Contudo, tendo em conta a qualidade dos palestrantes, a sessão prometia.

A abrir, o moderador deu a palavra a João Ferreira do Amaral - por ser mais polémico, frisou. Para o economista, a construção da Europa divide-se em dois períodos completamente diferentes que, por sua vez, refletem duas realidades políticas muito distintas: o período que vai desde o Tratado de Roma (1958) até Maastricht (1993) - que designou por período das comunidades - e o período desde Maastricht até ao presente - o período da união económica e monetária. Foi a criação da moeda única - um erro, segundo ele - que alterou os equilíbrios, permitindo o aparecimento da Alemanha como potência económica dominante. Ora, isto em nada contribuiu para tornar a Europa mais coesa; antes pelo contrário, serviu apenas para reduzir o anterior espírito de coesão. E não deu perspectivas de futuro a ninguém. Agora, chegou-se a uma encruzilhada e torna-se necessário tomar opções para escolher o caminho a seguir. A questão coloca-se nestes termos simples: esta união é reformável ou deve ser substituída? Ferreira do Amaral acha que não é reformável, pois um dos pilares da união que saiu de Maastricht - a união monetária - não funciona nem nunca poderá vir a funcionar.

E acrescentou que, logo na origem, já estavam evidenciadas as contradições: o espaço europeu é muito diferenciado, porque existem países muito competitivos ao lado de outros pouco competitivos. Ora, isso não foi resolvido com a criação da união monetária, logo, os problemas das economias menos competitivas agravaram-se. Desde a primeira hora adivinhava-se: haveria países perdedores e Portugal estaria desse lado . Os fundos estruturais que foram criados para compensar os países menos competitivos não deram o resultado desejado. Como consequência disso, a situação dos países perdedores é agora mais grave do que era em 1993, e o tratado orçamental não veio resolver a situação.

O que impede a União Europeia de reformar-se, na opinião de Ferreira do Amaral, é o facto de países como Portugal não disporem de instrumentos financeiros adequados para resolver os seus problemas: não têm autonomia monetária e estão condicionados em termos orçamentais. Enquanto país, compara Portugal com o nosso Interior, enquanto região. Na Europa, Portugal está condenado a empobrecer e terá o mesmo destino que o interior de Portugal... Como poderão ser criados mecanismos para estas zonas se desenvolverem? Não é, como já se viu, encharcando a economia com fundos estruturais. Também não será pela solidariedade, pois, nesse aspeto, estamos agora pior do que estávamos há vinte anos atrás. O projeto federal, por não reunir apoios suficientes, também não é solução. Porque, em boa verdade, ninguém está interessado em perder para os outros. A existência de três blocos de países - países de leste, países mais desenvolvidos do centro e países do sul - com diferentes perspectivas, agrava ainda mais a situação.

Concluiu afirmando que, com as clivagens a acentuar-se, esta Europa já nem é uma garantia de paz. Por isso, a solução para a Europa tem de inspirar-se no espírito das comunidades vigente no primeiro período: um espaço de cooperação e não um Super Estado.

O antigo ministro das finanças, Fernando Teixeira Santos, que falou a seguir, começou por concordar que a Europa está numa encruzilhada, e que há dez anos foram postas a nu debilidades sérias no projeto para as quais urge encontrar uma resposta adequada. Mas, discorda dos que acham que a crise e a sua solução têm apenas a ver com finanças públicas. A Europa é mais de que um projeto financeiro, dado ter uma componente política que deve ser preservada, até porque - convém não ter a memória curta, sublinhou - o processo da criação da Europa foi a coisa mais importante que aconteceu no Velho Continente desde a Segunda Guerra Mundial.

O Euro quando foi criado não se preocupou com a convergência das economias. Pensou-se que bastaria controlar a taxa de inflação, as taxas de juro e a estabilidade financeira dos Estados; o resto viria naturalmente com a moeda única. Tal como uma mão invisível, acreditava-se que de forma automática a dinâmica económica iria corrigir as assimetrias entre países. A realidade foi outra: as diferenças que existiam em 93 (data do Tratado de Maastricht) não se reduziram.

E, passando a explicitar melhor o seu ponto de vista, disse que Portugal continua com a mais baixa produtividade dos 12 países iniciais do Euro. Dado que a prosperidade de uma economia depende do nível da produtividade, não resulta aumentar salários sem aumentar a produtividade. No nosso caso, tem especial relevância a competitividade externa, pois quando existe um deficit externo aumenta a dívida. A razão da nossa crise não é a gestão orçamental, mas sim esta fragilidade estrutural. E a competitividade externa só pode se conseguida por duas vias: manter os salários baixos – a nossa opção antes da entrada no Euro - ou conseguir melhorar a produtividade.

Durante anos, os mercados conviveram bem com a situação da dívida de países como Portugal. Mas, com a crise grega perceberam que a UE não tinha instrumentos para lidar com o rápido agravamento dessa dívida. Recordou que, em maio de 2010, não havia nenhum instrumento para isso, porque só mais tarde foi criado o mecanismo de estabilidade financeira. De tal forma, que os empréstimos do primeiro resgate à Grécia foram concedidos através de contratos bilaterias entre países, discutidos no âmbito do Ecofin.

Tornava-se evidente que faltava qualquer coisa na construção do Euro que o fragilizava. Ora, a razão dessa fragilidade prende-se com a existência de três "nãos" que suportaram o tratado de Maastricht: 1) não se previa a saída do euro 2) não se previa default e 3) não se previa a necessidade de resgate. Durante muito tempo, acreditou-se que era possível respeitar estes princípios. Contudo, a crise grega veio mostrar que as três premissas negativas, não podem coexistir e que, num país em situação de crise, a ocorrência de uma delas torna-se uma condição necessária para a superar: ou sai do Euro, ou há default, ou há resgate. Então, quando os mercados perceberam que o problema era mais sério do que aquilo que eles julgavam, as taxas de juro aplicadas à divida de cada país dispararam - antes eram praticamente iguais, diferiam apenas 20 pontos base, ou seja, 0,2% - e começaram a diferenciar-se.

Mas isto não tem que significar o fim do Euro para Portugal. Precisamos de equilibrar as nossas contas e reduzir o deficit, e essa necessidade coloca-se com ou sem Euro. Teixeira dos Santos acredita que isso até se consegue melhor com o Euro do que fora dele. Porque sem Euro, a receita teria de voltar a ser a mesma do passado, quando a desvalorização cambial funcionava como uma anestesia (uma droga) e não obrigava a melhorar (fazer o upgrade, nas suas palavras) a produtividade. Em sintonia com João Ferreira do Amaral, considerou que a salvação do Euro não tem de passar por uma solução federal, dado que não está reunido o consenso para tal, e defende também a necessidade de mais cooperação entre países membros da UE.

Por último, defendeu que a existência do mercado único, por si só, é essencial para a economia dos países europeus, mesmo para os países que não têm o Euro como moeda (e até para o UK, após o brexit). Tudo isto exige um quadro de maior partilha de risco, ou seja, com mais cooperação. Terminou com uma alusão ao plano Junkers de estímulo à economia que acha insuficiente. Entende, sim, que a Alemanha deveria adotar uma política económica mais expansionista, porque só países com excedentes o podem fazer, recordando, a propósito, que os excedentes da Alemanha superam os da China.

Terminado o debate seguiu-se uma sessão de perguntas e respostas que nada acrescentaram ao que antes tinha sido dito. Saí dali com uma convicção: Portugal, por sua iniciativa, nunca sairá da União Europeia ou da moeda única. Muitas vezes, não nos centramos nas soluções, andamos continuamente em círculos à volta destes problemas - fazendo e desfazendo ao sabor das maiorias que se constituem - e tardamos em definir uma estratégia coerente e consistente que nos oriente. Ora, isso só pode ser conseguido com o alargado compromisso que pode resultar de um diálogo construtivo ao centro.


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