segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Populismo, doença grave da democracia?

A sessão que no passado dia 16 de janeiro se realizou na Sociedade de Geografia de Lisboa foi sobre a ascensão dos populismos na Europa. Logo a introduzir o tema, disse o moderador que os populismos na Europa terminam mal, saem do esquema político habitual, confrontam as elites no poder. Que surgem liderados por personalidades fortes e carismáticas, que atacam a democracia, manipulam factos, exploram sentimentos e se assumem como anti europeus. Disse ainda que a Europa está a sofrer falta de confiança dos cidadãos. Citou, a propósito, Sampaio e a sua receita à Monsieur de La Palice: "para recuperar a confiança, é necessário reforçar a democracia, aprofundar a União Europeia". Foi dito que o fenómeno em Portugal ainda não assumiu dimensão significativa. A questão, endossada aos oradores, ficou a pairar na sala: Portugal é avesso ao populismo?

O primeiro dos palestrantes, Ricardo Pais Mamede - o segundo seria Viriato Soromenho-Marques -, jovem académico e economista, apresentado como versado nos temas da integração europeia, iniciou a sua intervenção para dizer que não gosta da palavra populismo e que, na sua opinião, o conceito nem sempre é bem formulado.  Considerou que nem todos os populismos são iguais - exemplificou com Tsipras, Trump e Nigel Farage - que produzirão, na sua ação, diferentes resultados. Vê ele no populismo o mérito de introduzir um discurso disruptivo que rompe com o que é razoável em política e vai para lá do que é o senso comum adquirido. Não gosta dos políticos racionais e, a propósito, fala do recente referendo realizado em Itália, criticando a atitude de Renzi que apelidou de chantagista por apelar à emotividade dos eleitores, tendo tido como desfecho, na opinião do orador, a resposta que merecia. Para justificar a emergência dos populismos invoca cinco factores: 1) o desencontro entre a cultura e as vivências de governantes e governados, 2) o esvaziamento dos tradicionais partidos de massas dos trabalhadores e da democracia cristã, 3) o neoliberalismo que criou a crise e a falta de propostas políticas para a superar, 4) os fluxos migratórios, e, finalmente, 5) o bloqueio do projecto de integração europeia, considerando que a  UE tem sido um motor de aceleração da lógica de globalização neoliberal e tem restringindo o espaço da democracia.

Conclui a intervenção dizendo que  a Europa se revelou incapaz de criar uma soberania alternativa à soberania dos Estados, pela razão de que não é possível replicar o modelo democrático numa escala supranacional. Sentencia que a União Europeia tem de  respeitar os espaços da democracia mas não deve deitar fora os espaços de cooperação entre os seus membros. Fiquei com a impressão de que Pais Mamede vê num certo populismo uma boa alternativa à democracia de base partidária.

Viriato Soromenho-Marques - que falou a seguir - começou por abordar o fenómenos do populismo no plano das Ciências Político-Sociais questionando a escassez e a falta de fiabilidade dos instrumentos para o estudar, e alertando para o risco de fazer analogias históricas. Não podendo tirar conclusões estatísticas, a análise do fenómeno terá de recorrer à heurística e à hermenêutica, ou seja, procurar interpretar  dados fragmentários e fazer generalizações a partir deles. Adianta que o populismo não é um modelo estável, mas sim a degradação de um outro modelo, neste caso a decomposição de democracias representativas. Quando a democracia falha, aparecem os sinais do populismo: lideres fortes, demagógicos e com boa capacidade de comunicação; febre plebescitária, referindo aqui analogias com o que se passou no Terceiro Reich ( plebescito do Sarre, plebescito para decidir a permanência da Alemanha na Sociedade das Nações,  plebescito sobre a união com a Áustria - o anschluss); abafamento do papel dos tribunais. Refere que até partidos históricos são contagiados por alguns destes sinais plebescitários, citando como exemplos a convocação de referendos de cariz populista  por Cameron, no Reino Unido, e por Renzi, em Itália. Para Viriato Soromenho-Marques, um modelo para o populismo integrará as seguintes dimensões: 1) forte emigração; 2)  fortes desigualdades, em dinâmica de agravamento; 3) corrupção real e percebida; 4) a crise económica e financeira; 5) demagogia política

Como chegámos aqui? - pergunta o orador. Perante a inoperância dos políticos o voto populista é o protesto para ver se acontece alguma coisa, é visto como tendo uma grande capacidade de iniciativa, embora não perspective o futuro. Em síntese, o populismo surge porque a política deixou de ser a arte do possível. As considerações finais do palestrante são atravessadas de um forte pessimismo: fala do modelo de agonia português a considera que a união monetária é um muro invisível que nos aprisiona. E remata: não há saída para o Euro a não ser a implosão da União Europeia.

Escrevo este texto no dia em que Donald Trump toma posse como Presidente dos Estados Unidos. A sua eleição configura a expressão da vitória do populismo na nação mais influente do Mundo. O que é que falhou na América? Estaremos perante mais um caso de decomposição da democracia como teoriza Soromenho-Marques? Será este um processo irreversível?

Eu vejo nas causas enunciadas do populismo - a crise económica e financeira, os refugiados, as desigualdades -  uma consequência evidente do dilema que após 2008 se apresentou aos governantes: a imperiosa necessidade da economia crescer a todo o custo confrontada com as crescentes dificuldades em o conseguir. Como receita de estimular o crescimento, assistimos nos anos recentes, protagonizada  pelos Estados Unidos, a uma tentativa de reforçar ainda mais a globalização . São exemplos disso o aprofundamento os acordos de comércio livre concretizados em parcerias como o TTP  na zona da Ásia- Pacífico e o TTIP no Atlântico Norte. Mas a globalização tem efeitos perniciosos: reforço do poder das multinacionais, agravamento das desigualdades entre pessoas e entre Estados, aceleração das emissões poluentes, mais rápido esgotamento dos recursos, surgimento de conflitos regionais. E a garantia do almejado crescimento não parece assegurada.

Perante a inoperância ou ausência de soluções, o medo instala-se nas pessoas: de perder as poupanças, de perder o emprego, de perder a segurança, de perder a reforma, de perder as regalias do Estado Social. Também os políticos de carreira - que nada mais têm feito do que servir a economia do crescimento, a única que conhecem - incapazes de  encontrarem respostas dentro do sistema, começam a temer perder as regalias e acoitam-se nas suas conveniências e nos seus interesses pessoais e partidários, refugiam-se na demagogia, agarram-se ao poder a todo o custo. Quando impera o medo e se fecham as saídas surgem os profetas. Chega o tempo do populismo que, como disse Viriato Soromenho-Marques, é uma rutura com a democracia, não é uma alternativa a esta.

O prognóstico não é otimista. A democracia representativa está doente. E o populismo parece não ser a cura mas a expressão da própria doença.


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