segunda-feira, 27 de março de 2017

Mudar a Educação

´Educação não transforma o mundo. Educação muda pessoas. 
Pessoas transformam o mundo'. 
(Paulo Freire) 

Alguém disse que estamos a educar crianças para o século XXI com professores do século XX e métodos do século XIX. Está a generalizar-se a ideia de que o ensino está desadequado em relação a este novo tempo de grandes transformações. E começa instalar-se nas mentes de alguns pais, de educadores e até de cidadãos comuns a convicção de que urge criar a escola nova. Um pouco por toda a parte, surgem ideias, organizam-se grupos, animam-se debates, propõem-se e discutem-se diferentes modelos sobre como deve ser essa escola nova, quais os conteúdos a incluir nos programas, qual o papel do professor e qual a forma de avaliar os alunos.

A Internet é uma janela interativa aberta ao mundo que está a mudar rapidamente - sobretudo nos mais jovens - os padrões de comportamento económico, social e cultural.  Trata-se de uma nova literacia suportada por novos instrumentos que, alterando a nossa forma de viver, nos vai obrigar a mudar a forma de educar. Teremos de usar muitas cautelas, porque a Internet tem perigos, cria dependências e não está isenta de riscos. Devido ao acréscimo de complexidade dos suportes da Rede ficaremos mais especializados mas, ao mesmo tempo, muito mais dependentes de uma ferramenta frágil, falível e manipulável.

Na antiguidade, os caçadores e os guerreiros eram educados pela tribo e preparados seguirem as pisadas dos seus antepassados. Era uma educação feita com regras, valores, crenças e rituais.  Mas, hoje, a tribo - que é a tribo global -  é difusa, está mal definida e carente de valores.  Na nossa sociedade - condicionada pela economia de mercado e formatada pela comunicação social -, o único valor  transversal é o dinheiro, e aquilo que lhe está associado: o consumismo, a competição e a ambição pelo poder. E isso reflete-se na educação, também ela orientada para a competição e  para o sucesso profissional. Ora, a incerteza que persiste na economia, a tomada de consciência dos malefícios do crescimento a todo o custo  - a predação dos recursos, o desperdício e a poluição -,  o desemprego e a ausência de valores  já estão a criar nos mais jovens angústia e desorientação. Para cumprir a sua missão de educar, continua a ser essencial que a escola se envolva e seja envolvida pela comunidade. Uma nova sociedade exige, pois, uma nova escola e uma nova escola tem de ser a semente de uma nova sociedade. As mudanças que se exigem para a nova escola têm de ser concomitantes com as mudanças na organização social.

A nova escola tem de criar espaço para a experimentação e para o trabalho manual. Tem de levar em conta as diferenças entre os alunos.  Como disse César Buona, um jovem professor, "cada criança é um universo. Todas as crianças são extraordinárias e únicas e não basta encher-lhes a cabeça com dados, temos de lhes fornecer ferramentas e conhecimentos, facilitar-lhes a tarefa com empatia, sensibilidade e resistência, para que elas possam sair fortalecidas de situações adversas. As crianças devem saber que, se se propõem a algo e lutarem por isso, podem consegui-lo e que depende deles tornar o mundo um lugar melhor". Também o sistema de avaliação terá de ser repensado.  Em vez de ensinar para a vida, o professor ensina para o exame; em vez de estudar para aprender, o aluno estuda para a prova. Ora, o que se aprende para a vida perdura; o que se aprende para a prova esquece.

O mundo em que irão viver os alunos de hoje será um mundo mais desconfortável do que aquele onde nós vivemos na atualidade. Será caraterizado  pela escassez de recursos, pela persistência da crise económica (e consequente desemprego) e pelos efeitos das alterações climáticas. Será um mundo menos seguro, em  boa medida como resultado do agravamento das desigualdades provocadas pelo crescimento demográfico, pelos movimentos migratórios,  e pelos conflitos étnicos e os sociais. Compete à educação preparar o homens que terão de enfrentar e superar a adversidade que se perspetiva.

A educação é arma mais poderosa para mudar o mundo
Nelson Mandela

segunda-feira, 6 de março de 2017

Democracia e Voyeurismo

Daniel Proença de Carvalho, um conhecido advogado com interesses na comunicação social, foi ao Grémio Literário falar no no ciclo de conferências ali realizadas sobre o tema “ Que Portugal na Europa, que futuro para a União?”. Na sua intervenção, pouco acrescentou ao que naquela sala, em conferências anteriores, já se dissera sobre o assunto. Começou por apresentar a sua visão da situação na Europa: a génese da Comunidade no pós-guerra, no início mais comercial do que política; a excessiva rapidez e a desmesurada ambição na criação da união monetária; o fim da guerra fria e a queda do muro de Berlim, antes fatores agregadores da Comunidade; o recente surgimento dos novos populismos xenófobos e racistas; a perda de soberania dos Estados membros; as assimetrias regionais mal resolvidas; a ausência de um orçamento centralizado; a crise das dívidas soberanas, sequela da crise americana; as incertezas do pós-Brexit; o fenómeno Trump; a demonização da Rússia e de Putin;  os erros cometidos pelos líderes europeus que quiseram exportar o seu modelo de democracia aos países árabes - a "primavera árabe" - e que resultou na importação de graves problemas como são os refugiados e o terrorismo.

Perante este cenário, e para sair da encruzilhada a que chegámos advoga a necessidade de uma reflexão profunda. a qual, na sua opinião, não está a ser feita . Ao invés disso, realça a falta de solidariedade por parte dos países mais ricos, o ressurgimento dos egoísmos nacionais e a crise de liderança. Falou ainda da recente situação portuguesa sublinhando que alguns já vêm algum otimismo no desempenho da nossa economia. Para Portugal, defendeu a necessidade de reformas que tardam em ser feitas - como a da justiça -, e a aposta na cooperação com outras geografias, citando o exemplo da China onde emerge um  novo capitalismo global.

A certa altura da sua intervenção e a propósito da crise de liderança, considerou Daniel Proença de Carvalho - e, para mim, foi esta a grande novidade do seu discurso - que, nos regimes democráticos, a excessiva transparência e o voyeurismo - entendi que se referia à comunicação social - são factores que afastam da política os líderes mais capazes. Ora, a incidência do voyeurismo e a exigência da transparência relativamente aos políticos centra-se sobretudo em questões do foro financeiro: a corrupção, o peculato, o branqueamento de capitais, a fuga ao fisco, a intervenção em negócios, a troca de favores... Vivemos num tempo em que o dinheiro representa um valor em si mesmo, e a maior ambição dos homens é alcançar o sucesso para o obter. E, tendo em conta os casos frequentemente apresentados nas notícias - ocorrem-me, como exemplos, Fillon em França, o cunhado do Rei de Espanha, um rosário de nomes em Portugal -,  resulta bem evidente que também os governantes e os políticos não estão imunes a essa ambição.

O que deve levar um homem a abraçar uma carreira política? Será o desejo de servir o interesse comum, o amor a causas alicerçadas em valores éticos, filosóficos, sociais, patrióticos, ou mesmo as suas profundas crenças religiosas? Ou será a sede de poder e de glória  e a consequente atração pelo dinheiro que lhe está associado? Daniel Proença de Carvalho pareceu-me ser um homem com sentido prático e mostrou coragem ao abordar o assunto, considerando que também ele é um homem da comunicação social e que já foi diretor de um jornal. Pode-se interpretar a sua alusão ao "excesso de transparência" como defendendo um aligeiramento - ou até tolerância - da vigilância exercida sobre os políticos. Mas será isso possível? Poderá haver democracia sem uma comunicação social forte, livre, independente e interventiva?

A democracia exige transparência e voyeurismo. A comunicação social e os jonalistas têm o dever de continuar a assumir o papel de voyeurs. Mas muito mal andará o futuro da democracia se a motivação dos futuros lideres não se fundamentar em outros valores que não sejam os do dinheiro ou o da ambição do poder. Todos nós precisamos, urgentemente, de os procurar. Os nossos jovens, desencantados e descrentes com a forma como os educamos quase exclusivamente para a competição e para o sucesso material, precisam deles, e estão à espera que lhos mostremos.