quinta-feira, 6 de abril de 2017

A Insustentável Leveza da Europa

O embaixador Francisco Seixas da Costa é uma personalidade cativante. No passado dia 28 de março tive o privilégio de partilhar a sua mesa no Grémio Literário onde foi falar sobre a Europa no ciclo de conferências que ali decorre sobre o tema “Que Portugal na Europa, que futuro para a União?”. Logo no início, o ilustre convidado confessou-se  um europeísta não natural  - não nasci europeu, justificou - mas convicto de que a adesão à Europa foi o melhor para Portugal. E enfatiza: foi um salto verdadeiramente notável, a decisão certa no momento certo que desenvolveu o pais, consolidou a democracia, mudou a paisagem, mudou a agricultura, mudou as mentalidades, alterou a mobilidade e contribuiu para vencer a nossa periferia. Os portugueses viram a adesão como uma coisa boa, para os emigrantes foi um motivo de orgulho, para os jovens uma oportunidade. Depois, com notas reveladoras de algum pessimismo, alongou-se na sua visão da situação na Europa.

A Europa acaba de fazer sessenta anos. Esta curta vida  - ou longa, depende da perspectiva - divide-se em dois períodos distintos. A Comunidade Europeia dos primeiros 30 anos foi  um projeto civilizacional, um sonho de paz e solidariedade construído sobre as ruínas deixadas pela Segunda Guerra Mundial. As tensões do período da Guerra Fria e a opção por um modelo de democracia liberal foram razões que alimentaram o sonho e contribuíram para criar coesão entre os seus membros. O segundo período da vida da Europa  inicia-se com o alargamento a Leste. Após a queda do Muro de Berlim e o desmoronamento da União Soviética, a Europa não teve outra alternativa que a de acolher os países que lhe bateram à porta. Países que não foram absorvidos nem integrados pacificamente no espaço europeu. Trouxeram com eles grande diversidade e grande complexidade e transportaram as feridas de uma relação traumática com Moscovo. Com este alargamento, a Europa mudou de natureza: redefiniu-se a sua agenda, alterou-se a geografia, reforçou-se a centralidade e o poder da Alemanha - que de fronteira, passou a ser o centro, ficando protegida, a leste, por uma buffer zone de segurança.

Agora, com o brexit, enfrentamos um novo desafio e, após a saída do Reino Unido, nada ficará como dantes.  Sai da União o maior orçamento de defesa, saem as forças armadas mais bem equipadas, sai um país com poder nuclear, sai um membro permanente do Conselho Segurança da ONU, sai o maior elo de ligação com os Estados Unidos e sai o maior dador da União. Com o brexit, o centro de gravidade da União desloca-se para leste, e isso será mau para Portugal. A negociação para o divórcio será muito complexa, e o pior que pode acontecer é ela acabar por ser benéfica para os ingleses, considerando que tal provocaria um efeito dominó, levando outros países a quererem sair.

Durante muitos anos viveu-se na Europa o politicamente correto, mas hoje isso já não é assim. A Europa é hoje uma estrutura muito mais complexa: existem diferentes países uns mais fortes do que outros, formando uma espécie de hierarquia. O fator demográfico pesa muito. Os partidos do centro perdem poder - foram eles que fizeram a Europa - as franjas crescem. A solidariedade e a generosidade estão em crise na UE e com isso destrói-se a  a essência da construção europeia e enfraquece-se a possibilidade de conquistar as populações. Vão-se criando espaços de eurocéticos alimentados pelos sentimentos de insegurança e medo. As novas gerações enfrentam o desemprego, falha a capacidade  de integração das comunidades que chegam e também das segundas gerações. As pessoas esquecem-se das extraordinárias conquistas alcançadas -  a paz, a liberdade, a democracia, a mobilidade, o programa Erasmus.  Ao invés, a Europa é, nos discursos dos políticos para uso interno, o bode expiatório dos insucessos, a culpada de todos os males que lhes acontecem.

A Europa de euro é de difícil sustentação. As respostas europeias à crise financeira de 2007, foram casuísticas e incompletas, feitas ad´hoc, aos sabor da reação dos mercados ou dos ciclos eleitorais desconjugados.  A acontecer, uma nova crise financeira será fatal pois a  Europa não está preparada para a enfrentar. Isto acontece porque os dirigentes europeus não têm mandato para pensar a prazo. Veja-se o caso da política monetária do BCE: as decisões são tomadas a curto prazo, não há certezas do que virá a seguir, vive-se a esperar que o tempo vá resolvendo as coisas. Em decisões cruciais, na impossibilidade de agradar a todos, opta-se pela média aritmética, ou aplicam-se pensos rápidos, agindo por cobardia ou incoerência.

Sem estratégia, sem líderes visionários, sem  gente, sem recursos, sem poder militar, sem ideais, encaixada entre o Atlântico e a Ásia - ou seja, entre a América e a Rússia -, ameaçada pelas suas contradições internas, a Europa que laboriosamente se autoconstruiu durante 60 anos parece estar a entrar, agora, num rápido processo de autodestruição.
Que fatalidade é esta que pesa sobre um espaço que já foi o centro do mundo?