sexta-feira, 2 de junho de 2017

O Rumo da Europa

Na minha opinião, as declarações da Sra Merkel na Baviera - proferidas no rescaldo da cimeira do G7, em Taormina- podem ser o sinal de uma mudança de rumo para a Europa. No essencial, a Sra. Merkel sentenciou que "os europeus têm de cuidar de si próprios e resolver os seus problemas, e que a Europa tem de continuar a manter boas relações com  os Estados Unidos e com ao Reino Unido, mas também com outros países, incluindo  - na medida do possível - a Rússia". Com o previsível falhanço da parceria económica transatlântica que seria o TTIP, com os Estados Unidos a quererem passar para os europeus uma fatura maior das despesas da Nato, com o lavar de mãos americano sobre a crise dos refugiados - como quem diz o problema é vosso resolvam-no - , com o brexit que deixa fora da União o seu principal elo com a América, a Europa precisa de ter uma agenda política própria. E tem de ser a Alemanha  a defini-la, e a França a apoiá-la.

A Europa enfrenta três graves problemas: o problema da defesa, o problema energético e o problema dos refugiados.  A Nato deixou de se justificar após a queda do muro de Berlim. Mantê-la corresponde a considerar a Rússia como o inimigo principal do Ocidente. Algo que não tem razão de ser, considerando que a Rússia está, hoje, remetida a uma posição defensiva e não tem qualquer ambição de expansão de território - que não precisa - ou de ideologias - que não tem.  Casos como o da Crimeia têm de ser analisados numa perspectiva histórica. É certo que persistem ainda os traumas dos países do Leste da Europa que temem o regresso de uma hegemonia russa. Algo que hoje já não faz sentido e que o tempo acabará por sanar. No atual estado de coisas, a estrutura militar da Nato só pode justificar-se para manter o estado de Israel e permitir assegurar para o Ocidente, a prazo, o domínio  das reservas de combustíveis fósseis do Médio Oriente, nomeadamente da Arábia Saudita, do Iraque e dos Emiratos Árabes Unidos. Mas essa, tem sido, para a América, outra guerra feita à sua própria custa, com um esforço adicional que se vem somar aos custos da Aliança.

Em termos energéticos, a Europa é extremamente dependente do exterior. Praticamente já não produz carvão, as únicas jazidas de petróleo - cuja produção está em declínio - são as do mar do Norte divididas entre a Noruega, que não faz parte da UE, e o Reino Unido. Por outro lado, a escassa produção europeia de gás natural já está em declínio, e a Europa tem de recorrer cada vez mais ao abastecimento da Rússia e do Norte de África. A expectativa de recorrer às grandes reservas de gás natural do Golfo Pérsico - sobretudo às do Qatar - esta a desvanecer-se perante o arrastar do conflito da Síria, país que terá sempre de ser atravessado pelos gasodutos necessários ao seu transporte. A entrada da Rússia no conflito - justificada em parte para defender a sua posição no negócio do gás e proteger as reservas do Irão - apenas vai servir para tornar mais longínqua essa possibilidade.

O problema dos refugiados  é, talvez, o problema mais grave que a Europa enfrenta, e para o qual não se vê solução.  Falo dos milhares de homens, mulheres e crianças, famélicos, sem terra, sem pão, e sem outros haveres para lá da escassa roupa que lhes cobre o corpo que veem na Europa o eldorado. Vêm da Líbia, da Tunísia, da Etiópia, da Eritreia, da Somália e da Síria, atravessando desertos, cruzando fronteiras. Entregaram o pouco que tinham a passadores e engajadores que lhes prometeram o paraíso do outro lado do mar! Nada os detém, e nada os irá deter no futuro: não temem o mar, nem as autoridades, nem as grades de qualquer prisão. A  esperança de chegar à outra margem sobrepõe-se a tudo, e desvaloriza os riscos de sucumbirem na caminhada, de naufragarem no mar revolto ou de serem devolvidos à procedência. A Europa hesita na resposta a dar. As opiniões dividem-se, não existe uma politica comum coerente. A saída do Reino Unido da União tem a ver com isto. Os Estados Unidos não vão ajudar. Tal como disse a Sra Merkel, a Europa tem de passar a contar apenas com ela própria.

A chegada do Sr. Trump ao poder teve o mérito de ajudar a clarificar as dissonâncias entre os dois lados do Atlântico. Para muitos europeus, terá chegado o momento de estender a mão à Rússia. É certo que existem muitos anticorpos, mas são mais as coisas que nos unem do que as que nos separam: a história comum, a cultura, a matriz religiosa. A Rússia tem os recursos que faltam à Europa. E é um mercado com grande potencial para os seus produtos. Se este for o caminho escolhido, ele fica facilitado pelo brexit e pelo insólito discurso autista de Trump.

Mas um entendimento entre a Europa e a Rússia não será pacifico pois fará deslocar centro de gravidade do poder do Atlântico para a Eurásia. Será um novo grande cisma do Ocidente, ao qual a China não ficará indiferente. A Nato ficará obsoleta! Haverá equilíbrios que se rompem e  ninguém poderá prever o que poderá sair da caixa de Pandora. 

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