segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

Crescimento e Justiça Social

O essencial da palestra que o conhecido jurista e comentador político António Lobo Xavier veio proferir, no passado dia 24 de janeiro, no  Grémio Literário pode resumir-se a uma frase que ele disse na parte final da sua intervenção: "não há distribuição sem crescimento". Aconteceu isto na terceira conferência do ciclo "O estado do Estado: Estado, Sociedade, Opcões", uma iniciativa do Clube de Imprensa em parceria com o Centro Nacional de Cultura e com o Grémio Literário.

Perante uma sala a abarrotar de gente, o orador definiu-se como um falador profissional e apresentou-se como um homem que gosta de receber e distribuir afetos. Confessou-se liberal, conservador e centrista, para ele uma opção natural, consequência do ambiente social e familiar onde foi criado. Afirma que entrou na política com apenas 14 anos,  logo após o 25 de Abril,  e que para a sua formação ideológica muito contribuiu a leitura de um texto de Diogo Freitas do Amaral  e de Adelino Amaro da Costa  intitulado: "Por que não somos socialistas".  Referiu que, nessa altura, havia uma grande fratura na sociedade portuguesa, mas a separação dos campos que naquela época se confrontavam esbateu-se e já faz, hoje, pouco sentido. Direita e esquerda convivem e partilham muitos valores comuns e que podem coexistir no pensamento de um político: referiu, a propósito, o fenómeno Macron.

Quando se centrou no tema da conferência foi para dizer que cada vez esperamos mais do Estado: na saúde, na proteção e na segurança. Para o cidadão comum, a responsabilidade de tudo de mau que lhe acontece cabe em última análise ao Estado, que não previu, que não antecipou, que não fiscalizou que não providenciou. Esperamos até que o Estado nos proteja do risco de existir, incluindo os riscos da globalização e da revolução tecnológica pois cabe ao estado impedir que estas tendências "roubem" os nossos empregos. No entanto, porque tudo se torna cada vez mais caro e complexo, é difícil ao Estado assegurar aquilo que nós esperamos dele: o emprego garantido, a assistência na doença, o aumento da esperança de vida, a proteção contra o terrorismo...

Confundimos o Estado com a própria  atividade económica, e creditamos ao governo os sucessos da economia e as flutuações da conjuntura: o deficit desce, é mérito o governo, o desemprego sobe, é culpa governo, as próprias catástrofes naturais parecem ocorrer por culpa do governo...Isto pode justificar-se porque  o sector público em Portugal assegura quase metade do produto. A verdade é que os números não enganam: as pessoas são pobres, 45% dos portugueses estão dependentes das prestações sociais,  muito poucos contribuem com muito - 20% dos tributados em IRS representam 80% da receita -, e, apesar do crédito ao consumo estar a aumentar, temos uma taxa de poupança de 6%, muito baixa quando comparada com a de outros países. O governo dá com uma mão e tira com a outra, os aumentos de salários e pensões são anulados pelo aumento generalizado dos impostos indiretos. Uma grande parte dos eleitores que elegem os governantes são parte interessada em manter esta situação de dependência do Estado, e por isso, é muito difícil aos políticos falar a verdade, pois a verdade não rende votos.

Para abordar a necessidade de reformas, começou por dizer que o confronto entre esquerda e direita tem a ver, por um lado, com a necessidade de assegurar a sustentabilidade do crescimento económico e, por outro, com a necessidade de haver mais justiça na distribuição da riqueza de modo a reduzir as desigualdades. Ilustrou este conceito desta forma: "Passos Coelho puxa pela sustentabilidade e destrói a justiça social, o governo da geringonça puxa pela justiça social e ameaça a sustentabilidade (vem aí o diabo!)".  Com efeito, reformas visando mais racionalização, mais privatizações, melhor eficiência, alterações nas leis laborais, são vistos à esquerda como formas de ameaçar a justiça social. Por outro lado, a direita é sempre contra reformas sociais que acarretem mais subsídios, mais prestações, maiores gastos na saúde. Ou seja, a esquerda está contra as reformas que vão no sentido de garantir a sustentabilidade por ameaçarem a justiça social, e a direita está contra as reformas que aumentam a justiça social por prejudicarem a sustentabilidade.

Interroga-se: será possível combinar estas duas coisas? E responde, afirmando que temos de ser pragmáticos para superar o dilema. Em Portugal estamos no limite da exploração da via fiscal: as desigualdades têm vindo a reduzir-se e para continuar esse caminho, seria necessário um brutal e não comportável aumento de impostos. Para ele, o crescimento económico tem muito mais efeito no combate à desigualdade do que o aumento dos impostos. Considera que temos espaço para crescer na eficiência, na inovação e no maior controlo dos benefícios sociais. Investe-se pouco na educação, na inovação, na criação de centros de excelência. Será preferível investir mais na educação e na família e menos nas pensões. Está provado que um Estado grande não ajuda ao crescimento

Questionando-se sobre qual será o Estado mais justo, o que distribui a riqueza ou o que fomenta o crescimento, Lobo Xavier defendeu a necessidade de fomentar o crescimento económico, dizendo que não é possível distribuir sem crescimento. O bloqueio das reformas necessárias está à vista de toda a gente e tem de ser rompido. Temos de o superar e, para isso, a esquerda e a direita têm de se entender. Conclui dizendo não é possível resolver os problemas estruturais sem um acordo. Daí a necessidade de entendimento. O "centro" grande pode fazê-lo. E conclui: "sou pelas reformas e pelos acordos... não pela  manutenção de alternativas de confronto."

Saí desta conferência com a angústia resultante da convicção de que o dilema apresentado pelo orador não tem fácil solução. O crescimento da economia tornou-se a exigência última das soluções dos problemas do mundo. Sem crescimento, a crise instala-se - primeiro a financeira, depois a económica e por fim, a social. A criação de riqueza estagna, não se pode distribuir aquilo que não existe. A austeridade torna-se necessária para o relançamento económico, as desigualdades agravam-se, os conflitos sociais aparecem.

Assegurar o crescimento continuo da economia torna-se, pois, a única garantia de futuro de paz e prosperidade para a humanidade. Ora, esse crescimento está em risco por estar condicionado - mesmo ameaçado -  pelos limites impostos pelo aumento e envelhecimento da população, pelos efeitos nocivos da poluição (responsável pelas alterações climáticas) e pela escassez de recursos naturais essenciais, dos quais destaco a água, a energia fóssil e a terra arável. A esperança parece residir agora toda na economia digital: prometem-nos a inteligência artificial, a internet das coisas, o fim do trabalho duro e repetitivo, o aumento da esperança de vida. Até já se fala em colonizar outros planetas.

Na minha opinião muitas destas promessas são utópicas e esbarram nas armadilhas de uma complexidade crescente. Para os futurólogos, Deus, a espiritualidade e os valores estão ausentes das suas previsões. E até a educação, isto é, a forma de educar e preparar os jovens  parece não ser uma preocupação das narrativas futuristas. Ora, o sonho que é o mundo utópico do futuro, não pode ser desligado dos homens e mulheres que os irão realizar. E isso leva-nos a formular uma pergunta: Que papel está reservado à educação?  Educar para o sucesso ou para a felicidade? Para o ser ou para o ter?

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